Uma vela no escuro

Esperamos pela luz, mas contemplamos a escuridão. – Isaías 59:9

Eu devia ter uns 14 anos quando descobri, na TV Escola, a série Cosmos, realizada por Carl Sagan e sua esposa Ann Druyan. Lembro que fiquei fascinado com a forma como Sagan mostrava as maravilhas do Universo: quasares, buracos negros, galáxias e planetas. Sagan, através da série, transmitiu o conhecimento sobre o cosmo - antes restrito ao meio acadêmico - a mais de 500 milhões de pessoas. Por isso, ganhou o titulo de “maior divulgador das ciências de todos os tempos”.

Carl Sagan, nascido em 1934, em Nova York, filho de pais humildes (o pai era operário, a mãe dona de casa), foi um cientista, astrobiólogo, astrônomo, astrofísico, cosmólogo, escritor e cético, autor de centenas de artigos científicos e mais de 20 livros sobre ciência e ficção cientifica, sendo um de seus livros mais conhecidos O mundo assombrado pelos demônios,  publicação que reúne alguns de seus ensaios.

Considero esse livro uma espécie de ferramenta para desmistificar qualquer coisa que seja considerada sobrenatural ou que não consiga passar pela rigorosa avaliação do método científico de Descartes, ou seja, pela comprovação empírica. Nele, Sagan nos mostra que a humanidade desde seus primórdios é assombrada por demônios que nós mesmos criamos: superstições, lendas, pseudociências, misticismo e credulidade (a aceitação fácil e ingênua de tudo).

No decorrer do livro, Sagan apresenta vários mitos que foram desmistificados pela ciência, como OVNIs, energias místicas, desaparecimentos misteriosos, casos de círculos em plantações, entre outros, e se mostra muito preocupado com os rumos que a humanidade está tomando. Na época em que o livro foi escrito, 55% da população estadunidense acreditava em astrologia, sendo que até o presidente Ronald Reagan tomava decisões baseadas nos astros. Com isso, me pergunto, por que as pessoas se deixam ser enganadas por pseudociências, como a astrologia, a alquimia e a homeopatia?

Isso acontece, em geral, porque os relatos desonestos, que enganam os ingênuos, são mais acessíveis. As abordagens céticas são bem mais difíceis de se entender. O ceticismo não vende bem, prova disso é o sucesso dos vários programas, que tanto na TV aberta como na TV a cabo, mostram fenômenos sobrenaturais. Aliás, uma das causas desse fenômeno é a pouca divulgação que recebem os programas de desmistificação de mitos por parte dos meios de comunicação. Além disso, as superstições e pseudociências estão sempre fornecendo respostas fáceis, já que a realidade é dura demais. Como nos diz Francis Bacon:

A compreensão humana não é um exame desinteressado, mas recebe infusões da vontade e dos afetos; disso se originam ciências que podem ser chamadas 'ciências conforme a nossa vontade'”. Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que não são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento.

Afinal de contas, como é confortante acreditar que estamos aqui só de passagem ou que existe um paraíso nos esperando. Como é fascinante a ideia de podermos conversar com os nossos entes queridos que já se foram; ou que, se as coisas estão ruins, na próxima reencarnação tudo pode melhorar. Como é fantástico acreditar que é possível que algumas pessoas tenham o “dom” de prever o futuro ou que os astros podem nos ajudar a resolver problemas do dia a dia. Talvez seja por isso que a ciência seja tão criticada, pois ela não dá as respostas que queremos ouvir e nem tem resposta para tudo. Porém, como nos diz Einstein: “Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil - e , no entanto, é a coisa mais preciosa que temos”.

Sempre vejo pessoas reclamando que as coisas deveriam ser melhores, que a ciência não resolve nada. Essas são as pessoas que costumam mergulhar nas ilusões da pseudociência. Porém, é importante frisar que somos uma espécie com aproximadamente 100 mil anos e só descobrimos o método científico há alguns séculos. Por isso, que tal deixarmos de contemplar a escuridão (misticismo, pseudociência etc) e começar a ver a ciência como descrita por Carl Sagan em O mundo assombrado pelos demônios: uma vela no escuro?

Fonte das imagens: Wikicommons.

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