Casal 20


A irmã dele fazia aulas de jazz. Ela fazia aulas de jazz com a irmã dele. Ele foi assistir a uma performance da irmã. Ela apresentou uma performance da Alanis Morissette com a irmã dele. Ele achou que elas dançavam muito mal. Ela percebeu que a dança não era o negócio dela. Ele era ator. Ela não era dançarina. Ele foi até a casa de um amigo produtor para discutir uma peça. Ela era filha do produtor da peça. Ele a viu comendo miojo na sala de estar. Ela comia miojo na sala de estar quando ele chegou. O nome dele é Gregorio. O nome dela é Clarice. Eles se reconheceram. Seus olhos se encontraram. Foi amor à segunda vista. A partir daí, nunca mais se separaram e formam um verdadeiro casal 20. 


A expressão "casal 20" é usada para designar um casal perfeito: um par de pessoas famosas, inteligentes, bonitas, bem-sucedidas e, acima de tudo, apaixonadas. Essa expressão teve origem na tradução do título do seriado de TV americano da década de 1980 Hart to Hart (uma espécie de jogo de palavras, já que "Hart", em inglês, soa como "heart", que significa "coração") para o português. O seriado, criado pelo romancista Sidney Sheldon, contava as aventuras do simpático casal Jonathan e Jennifer Hart e, na época, foi um sucesso de audiência. Como a nota máxima que uma pessoa pode receber, em uma escala de 0 a 10, é 10, na matemática do amor, o casal perfeito seria o 20 (10 + 10). Sendo assim, nada mais adequado do que utilizar a expressão para definir o casal Gregorio Duvivier e Clarice Falcão.

Clarice Franco de Abreu Falcão nasceu no Recife, em 1989, filha dos roteiristas João e Adriana Falcão. De acordo com ela, sua criação foi algo do tipo: "Como assim você quer ser médica, filha? Que profissão mais instável, diferente. Já pensou em pintar, escrever?". Logo, como em casa de ferreiro nem sempre o espeto é de pau, Clarice iniciou sua carreira artística aos 16 anos, atuando em curta-metragens. E foi justamente protagonizando um curta-metragem roteirizado pela sua mãe que ela conquistou seu primeiro grande sucesso: Laços. Em 2007, o curta foi vencedor do Project Direct, um concurso internacional de curtas promovido pelo Youtube, e entrou para a seleção oficial do Festival Sundance de Cinema, evento norte-americano conhecido por divulgar jovens talentos do cinema alternativo.

Após a repercussão de Laços, Clarice foi convidada a entrar com o pé direito no mundo da TV: estreou na Rede Globo em horário nobre, na novela A Favorita, em 2008. A jovem, entretanto, afirma não ter apreciado tanto o seu trabalho na telenovela, pois, além de ter tido que se distanciar da família e dos amigos em decorrência de um trabalho pela primeira vez, ela considerava sua atuação na novela, de certa forma, bem "mais ou menos". Depois dessa experiência (nem tão) boa, ela deu continuidade a seu trabalho com curta-metragens, além de trabalhar com seus pais, como roteirista, e fazer, ao longo dos anos, participações no teatro e no cinema.

Em 2012, Clarice alcançou seu segundo grande trabalho como atriz nas telonas: estrelou Eu não faço a menor ideia o que eu tô fazendo com a minha vida, segundo filme do jovem cineasta Matheus Souza. O filme, que naquele ano abriu o Festival de Cinema de Gramado e foi vencedor do prêmio do júri popular da Mostra de Cinema de São Paulo e do Festival do Rio, acompanha a vida de Clara, uma garota que, como o próprio título do filme indica, não sabe exatamente o que fazer da sua vida e acaba aceitando cursar Medicina, cedendo à pressão de sua família, que é composta por vários médicos. A garota, entretanto, percebe que realmente não sabe ainda o que quer fazer, mas que com certeza a carreira médica não é o que deseja para o seu futuro. Então, ela passa a faltar às aulas da faculdade e esconder dos pais e do namorado o que realmente anda fazendo. Com uma bela fotografia e trilha sonora composta apenas por músicas de jovens artistas brasileiros, o filme tem recebido críticas às vezes positivas e às vezes negativas, tanto do público quanto da crítica especializada (nada mais adequado para um filme que trata, em suma, da indecisão).

Mas, para quem pensava que o único talento de Clarice era atuar, a jovem lançou em 2013 seu primeiro CD: Monomania. Há muitos anos Clarice já compunha músicas, principalmente em inglês, mas, em geral, não ousava mostrar suas músicas a mais ninguém que não fosse sua mãe ou seu namorado. Talvez cansados de serem os confidentes musicais de Clarice, eles a aconselharam a gravar suas músicas e publicar o resultado no Youtube. Logo, suas canções de ritmo sossegado e letras simples e bem-humoradas conquistaram o público. Em decorrência da boa recepção de suas músicas na internet ela lançou, de forma independente, Monomania - primeiro disponibilizando-o apenas na versão de álbum digital, no iTunes, e depois vendendo-o, com a ajuda de parentes e amigos, durante seus shows. O título do CD faz referência à mania de Clarice de ficar pensando em apenas uma coisa, ou melhor, pessoa: seu namorado Gregorio. E, assim como 99% das músicas já compostas, as canções de Clarice, quase em sua totalidade, falam sobre um único tema: o amor.

Monomania pode ser ouvido, de certa forma, como a história de um casal. Ela começa o CD jurando que esqueceu seu amado; já na segunda faixa "Macaé", ela revela todo o seu lado stalker; em "Eu Me Lembro", em dueto com o cantor Silva, o casal conta, ao mesmo tempo (e de formas bem diferentes), como foi o dia em que se conheceram; na décima primeira faixa, "A Gente Voltou", ela pede, romanticamente, aos pacientes à beira da morte que reparem a sorte do casal, que no início do CD encontrava-se separado; na penúltima música "Capitão Gancho", Clarice faz um elogio à sua infância e tudo aquilo que foi importante para a sua formação; por fim, ela fecha seu disco com a apaixonada "Fred Astaire", versão em inglês da quinta música do álbum.

O álbum de Clarice deu tão certo que foi um sucesso de vendas - seja na versão física ou digital -, lotou shows Brasil afora e emplacou em diversos rankings de melhores CDs do ano. Além disso, a jovem chegou a concorrer ao prêmio de Artista Revelação no Grammy Latino 2013.



Já Gregorio Byington Duvivier nasceu no Rio de Janeiro, em 1986, filho do músico Edgar Duvivier e da cantora Olivia Byington. Influenciado pelos pais, ele foi iniciado no meio artístico, assim como Clarice, ainda na adolescência, construindo ao longo dos anos uma carreira sólida no teatro, no cinema e na televisão. Sua primeira peça de teatro Z.É., Zenas Improvisadas, na qual contracenou ao lado de humoristas como Fernando Caruso, Rafael Queiroga e Marcelo Adnet, fez tanto sucesso que, em turnê pelo Brasil, chegou a ficar em cartaz por 6 anos ininterruptamente.

Após o sucesso de Zenas Improvisadas, além de algumas participações em peças, filmes e programas de TV, Gregorio foi convidado, em 2008, a protagonizar a comédia romântica Apenas um fim, filme de estreia de Matheus Souza (o mesmo diretor de Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida, citado anteriormente). No filme, Gregorio interpreta Antônio, jovem universitário cuja namorada pretende fugir de casa e recomeçar a vida em outro lugar. Não simpatizando com a ideia, ele tenta convencê-la a abandonar seus planos: o resultado é um encontro no qual os jovens relembram o passado e planejam seu futuro juntos. O filme, realizado completamente por estudantes da PUC-Rio, venceu o prêmio de Melhor Longa de Ficção pelo júri popular e recebeu Menção Honrosa do júri oficial no Festival do Rio. No mesmo ano, o filme conquistou do público o prêmio de Melhor Longa Brasileiro de Ficção na 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e foi exibido em festivais de cinema de diversos países.

Entretanto, Gregorio tornou-se conhecido pelo grande público apenas em 2012, após a criação do canal de humor Porta dos Fundos. Ao lado de nomes como Fábio Porchat, Marcos Veras, Letícia Lima, Rafael Infante,  Antonio Pedro Tabet e, claro, Clarice Falcão, Gregorio foi responsável por dar um re-up na comédia brasileira, que se encontrava em condições sofríveis, tendo em vista a baixíssima qualidade de programas como o Zorra Total e A Praça é Nossa, além do "humor" politicamente incorreto de Rafinha Bastos e Danilo Gentilli (leia mais sobre o assunto em "Uma graça", do Romulo Ferreira, e "Procura-se inteligência no humor", da Alice Martins Morais). O Porta dos Fundos foi o primeiro programa da internet a vencer o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e, em 2013, foi saudado pelo jornal The New York Times. Como resultado do sucesso do canal, Gregorio ganhou um reality show baseado em sua vida, O Fantástico Mundo de Gregorio, no canal de TV a cabo Multishow.



Reconhecido como talentoso ator, uma outra (e talvez ainda mais fantástica) face de Gregorio ainda é pouco difundida: a do Gregorio poeta. Para quem não sabe, Gregorio é formado em Letras pela PUC-Rio desde 2008, é colunista da Folha de S.Paulo e já escreveu dois livros. Seu primeiro livro, A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora, ainda que pouco conhecido, foi elogiado por nomes como Millôr Fernandes, Heloísa Buarque de Hollanda e Ferreira Gullar. Já seu segundo livro, Ligue os pontos - poemas de amor e Big Bang, lançado pela Companhia das Letras em 2013, reúne alguns de seus poemas publicados na Revista Piauí, além de outros inéditos, e tem tido bastante repercussão no meio literário.

Dedicado, nas palavras dele, "para a Clarice, é claro", Ligue os pontos é dividido em duas partes: "Cartografia afetiva" e "Aprender a gostar muito". Em seu livro mais recente, Gregorio, digno da tradição de Vinicius de Moraes, escreve sobre o Rio de Janeiro de sua infância, a sua geração, a qual ele denomina poeticamente de Geração Bug do Milênio, e sobre as pequenas grandes coisas da vida. Isso tudo sem deixar de lado o humor, afinal, de acordo com ele: "O humor é a melhor maneira de se dizer algo que surte efeito. Sem humor, a literatura vira panfleto político ou bula de remédio. Meus autores preferidos são muito engraçados: Machado de Assis, Tchekov, Cervantes, Eça de Queiroz, Vinicius de Moraes".

   ligue os pontos

   enquanto você dormia
   liguei os pontos sardentos das suas
   costas na esperança de que
   a caneta esferográfica revelasse
   a imagem de algum ser mitológico
   de nome proparoxítono o mapa
   detalhado de algum tesouro
   submerso formasse quem sabe
   alguma constelação ruiva oculta
   na epiderme e me deparei
   com o contorno de um polígono
   arbitrário que não me fornecia
   metáforas não apontava direções
   simplesmente dizia: você está aqui.


Depois de conhecer esse casal, faço das palavras de Renato Russo as minhas: e quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração?


Fonte das imagens: Wikicommons.

1 comments:

  1. Best Sports Picks of the Day | VieCasino.com 코인카지노 코인카지노 rb88 rb88 ミスティーノ ミスティーノ 4524 casino near me - thtopbet

    ResponderExcluir