A mais famosa premiação do mundo passou a ser oficialmente conhecida como “Oscar” somente em 1939, mas o evento já acontecia em Hollywood desde a década anterior. Idealizado como “prêmio de mérito” pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, surgiu em 1929, alguns meses antes da quebra da Bolsa de Nova Iorque (resultado de uma crise de superprodução que desencadearia uma das maiores depressões econômicas provocadas pelo avanço das relações capitalistas). O objetivo da Academia era homenagear os últimos destaques cinematográficos como forma de estímulo para o desenvolvimento artístico e tecnológico do cinema.
Na época, pouco mais de duzentas pessoas compareceram àquele evento que ainda contava sua duração em minutos (não em horas, como hoje). Não havia estrelas nem tapetes vermelhos, tampouco transmissão internacional ao vivo. Os vencedores eram divulgados anteriormente, deixando ao espetáculo somente a entrega da estatueta. Mas rapidamente aconteceram mudanças. No ano seguinte, já havia transmissão via rádio e os vencedores eram anunciados durante a premiação. A partir de 1931, a entrega dos prêmios não mais voltaria a ocorrer duas vezes no mesmo ano, como acontecera em abril e novembro de 1930.
De lá para cá, muito ainda seria modificado. Hoje, o regulamento não é o mesmo. A repercussão não é a mesma. Os tombos não são os mesmos. Em 1952, por exemplo, Shelley Winters e Vittorio Gassman caíram juntos no chão. Ansiosa, Winters apressou-se em se levantar antes do esperado anúncio do prêmio de melhor atriz, quando o marido a puxou de volta, temendo um vexame ante uma possível derrota. Resultado: chão. Após o tombo, que deixaria Jennifer Lawrence no chinelo, Winters ainda teve de ouvir o nome de Vivien Leigh ser chamado por sua atuação em “Uma Rua Chamada Pecado”. Mas poderia ser pior. Se o tombo fosse no ano seguinte, ele seria televisionado. Em 1966, a cores. E em 1969, as gargalhadas seriam internacionais.
Assim, talvez a primeira grande protagonista das cerimônias transmitidas internacionalmente não tenha sido uma cena embaraçosa como um tombo, mas uma postura ideológica inesperada, quando, em 1970, George C. Scott rejeitou o prêmio de melhor ator por seu elogiado papel em “Patton”. Para Scott, o que seria um “estímulo para o desenvolvimento artístico e tecnológico do cinema”, não passava de mais um espaço em que a competição era supervalorizada. Brilhante como ator, parecia repudiar o caminho individualista que o mundo já preferia cingir.
Embora na realidade em que vivemos sejam importantes enquanto meios de divulgação para obras que talvez não dispusessem de outra maneira para alçar seu nome entre os mais procurados, premiações que envolvem competições dificilmente escapam à injustiça em relação às obras consideradas menores por determinado júri. No caso do Oscar, é preciso perceber que a “noite” não é apenas uma festa para celebrar o “melhor” do cinema estadunidense. É preciso perceber que escolhas dessa proporção jamais serão puramente técnicas, pois o político terá sempre uma presença contundente. Pensando assim, são louváveis atitudes de resistência como a de George C. Scott, bem como a de Marlon Brando, quando, em 1973, também recusou o prêmio de melhor ator (na ocasião, por conta de sua atuação em “O Poderoso Chefão”, que lhe daria o segundo e último Oscar de sua carreira).
Vídeo do momento em que Marlon Brando recusa Oscar de melhor ator, em 1973.
Nos últimos dez anos, em oito edições, o vencedor como melhor diretor foi premiado também como melhor filme. O resultado foi diferente apenas em 2006 e 2013. Em ambos os casos, Ang Lee foi eleito melhor diretor, mas não levou a estatueta pelo melhor filme. Seria Ang Lee muito simpático e popular entre os membros eleitores da Academia ou sua discussão sobre homossexualidade em “O Segredo de Brokeback Mountain” não era conservadora o suficiente para a cultura hegemônica dos Estados Unidos? Isso poderia indicar que relações homossexuais sendo retratadas em telas grandes afetam mais os EUA do que discutir as implicações sociais dos racismos, como vemos em “Crash”, que se sagrou vencedor em 2006? Afinal, “Crash” denuncia a violência da discriminação a partir da perspectiva dos ambientes públicos principalmente, mas não se aprofunda nas outras dimensões do cotidiano daquelas personagens. Em “Brokeback Mountain”, as imagens são mais intimistas e acontecem em ambientes mais privados, o que a meu ver causa maior repulsa entre aqueles que sentem necessidade de controlar a vida alheia. "Crash", então, seria mais "tragável" para a maioria das culturas "modernas".
Alguns anos mais tarde, em 2013, vimos como Ang Lee não goza de muita "sorte".
Como entrar numa disputa contra “Argo”, que possuía toda a receita do bolo estadunidense, e sair vencedor? Segundo o jornalista e cineasta Harold von Kursk, “Affleck fez um filme de propaganda, uma auto-felação que inverte e distorce os fatos”. Em texto intitulado “A história real por trás de Argo”, Paulo Nogueira, fundador do Diário do Centro do Mundo, contextualiza a história representada no filme e demonstra como “Argo” é superficial e tendencioso. Enfim, são várias as lacunas encontradas nesse filme que, aliás, nem teve seu diretor como um dos indicados ao prêmio de melhor direção. Na história do Oscar, apenas três filmes haviam ganhado na categoria principal sem que os respectivos diretores tivessem sido indicados: "Asas" (premiado, em 1929, na categoria "melhor filme, produção" ao lado de "Aurora", que venceu o prêmio de "melhor filme, produção artística e singular"), "Grande Hotel" (1932) e "Conduzindo Miss Daisy" (1990). Em relação ao filme de Ben Affleck, os motivos dessa discrepância foram evidentemente políticos.
O Oscar não é apenas um evento cultural, mas político também. É a celebração da cultura hegemônica dos Estados Unidos. Este ano, veremos um pouco mais disso, o que não significa dizer que a premiação não leva em conta critérios técnicos nem estéticos. Ao defender o que expomos nesse breve histórico sobre o Oscar, pretendemos simplesmente chamar atenção para as variadas dimensões que um único evento pode assumir, pois a face artística e cultural da realidade social não se faz independentemente da política - e vice-versa. Em outras palavras: somos isso e aquilo simultaneamente.
A discussão não é recente nem o ponto de vista inovador, mas é importante que não deixemos escapar à mente a complexidade do mundo cultural. Pensando nisso, o Fragmentos disponibilizará nos próximos dias uma série de textos acerca dos títulos de maior destaque entre os indicados para o Oscar 2014. Acompanhem e deixem suas sugestões e análises.
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