“50 anos do Golpe Militar: como afeta a economia do Brasil até hoje?”- Foi assim que o Bom Dia, Brasil, jornal da manhã da Rede Globo, se referiu à data histórica de 31 de março de 2014, dia em que o Golpe Militar brasileiro completou 50 anos. A ditadura militar brasileira durou mais de duas décadas e deixou cerca de 400 mortos e desaparecidos. Diante de tudo isso, questiono: seriam os efeitos na economia o assunto de maior relevância para se colocar em um dos telejornais mais vistos no país? Será que não tinha nenhum aspecto de maior interesse público a se abordar?
Diante disso, podemos verificar
que há um grande desvio da Rede Globo, exemplificado no jornal de hoje citado
acima, quanto ao pilar do interesse público, descumprindo, dessa maneira, o
dever ético da profissão jornalística. Mas você pode estar se
perguntando se eu não estou fazendo tempestade em copo d’água e enxergando
coisa onde não tem. Pois bem, deixe-me explicar meu ponto de vista.
Primeiro, vamos fazer um
levantamento dos assuntos debatidos nos principais meios de informação. Não é
difícil de perceber que a temática do Golpe de 1964 está presente de forma
assídua nos meios de comunicação e nas rodas de debate brasil afora. Nos
jornais impressos e televisos, não achei um que não tivesse abordado o assunto.
Agora, chegando a revistas, vejamos as capas desta semana:
Será coincidência que apenas a
Veja e a Exame não falam da Ditadura? Será coincidência também que as duas
revistas trouxeram como manchetes a economia, enfoque da matéria do Bom Dia,
Brasil? Analisemos.
Seria perfeitamente compreensível
que os três veículos abordassem essa temática se fossem todos declaradamente
noticiosos econômicos. Mas não é o caso. Apenas a Exame se intitula dessa
maneira. Poderia também ser uma coincidência se fossem veículos isolados. Mas
não são. Veja e Exame fazem parte do mesmo grupo editorial, grupo esse que
apresenta ligação tão direta com a Rede Globo que já existe um termo usado por
parte da imprensa que se refere ao grupo Globo/Abril como um todo: PiG –
Partido da imprensa golpista, criado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim.
Também seria aceitável isso tudo se não houvesse um contexto histórico por trás
e se o tema escolhido para desvio não fosse o escolhido.
Rede Globo - Comecemos pela Rede Globo e seu caso com a Ditadura. O
primeiro programa da emissora foi iniciado em 2 de maio de 1965, Santa Missa em
Seu Lar, um programa católico. O Jornal Nacional iniciou quatro anos depois, em
1969, ano em que o General Médici assume a presidência do Brasil, dando começo
ao que ficariam conhecidos como Anos de Chumbo. De acordo com o princípio ético
de responsabilidade social, de interesse público, o dever desse telejornal (que,
por acaso, seria o primeiro em rede nacional) seria assumir uma posição de
investigação a respeito do que tivesse acontecendo no Brasil. Mas a rede optou
por escolher o caminho mais fácil e economicamente mais sensato: o de
compactuar com o regime, recebendo benefícios no lugar da cobertura omissa e
manipulatória. A própria Globo reconheceu em editorial lido no Jornal Nacional,
49 anos depois e pressionada pelas manifestações de junho de 2013, que o apoio ao golpe militar de 1964 e ao regime subsequente foi um "erro".
Aqueles que consideram a ditadura
como um bom período na História do Brasil ressaltam exatamente o boom econômico
que as classes mais favorecidas ganharam durante o período militar. A Globo,
inclusive, fez questão de focar nisso durante e após a época, e agora, num
arrependimento minimamente convincente, tenta mudar seu discurso. Do que
adianta Miriam Leitão falar que a Ditadura Militar estragou a economia do país
se não falar dos problemas sociais e dos impactos nos próprios direitos humanos
que a época causou? Que adianta mudar o discurso público se a linha editorial
permanece a mesma? Qual é o sentido de se autointitular uma emissora parcial e
compromissada com a população e com o país se dedica todas as suas forças para
criminalizar aqueles que combateram a ditadura (como a própria presidenta
Dilma) e tem como maior comentarista de todos os assuntos possíveis do jornal
da manhã Alexandre Garcia, que trabalhou como secretário de imprensa
(porta-voz) do governo militar de João Baptista Figueiredo.
Revista Veja – Passemos, então, à
Revista Veja, uma revista autointitulada de imparcial (assim como a Rede Globo
se nomeia) e nascida durante a Ditadura, em 1968. O principal a se falar da
revista é que sua linha editorial é marcada pelo alinhamento à direita. Sua
primeira edição trouxe como manchete “O grande duelo no mundo comunista”,
mostrando, de primeira, sua cara. Entre outros artigos, trazia “Rebelião na
Galáxia Vermelha”, “A Romênia quer resistir” e “Checos têm esperanças”, fazendo
o possível para tornar o vermelho comunista em algo confuso, problemático e que
não dá certo – lembrando que à época se vivia Guerra Fria no contexto
internacional e o Brasil se ancorava nas decisões norteamericanas.
Quase 50 anos
depois, a revista mantém a mesma linha editorial e vem perdido cada vez mais
seu domínio na formação de opinião, pelos recentes níveis de apelação que o
público em geral vem percebendo em relação a essa demonização do vermelho,
agora representado no PT.
O que a Revista
Veja fez na última edição é o que o sociólogo francês chamaria de “ocultar
mostrando”, que é quando o jornalista desvia a atenção de um debate que se tem
dado enfoque no momento (que muitas vezes está ligado ao interesse público e
neste caso se refere aos 50 anos do Golpe Militar) através da exposição de
outro assunto (que neste caso é a relação entre Dilma e a bolsa de valores). E
por que a Dilma e a bolsa de valores foram os “personagens” escolhidos? Minha
teoria é: Dilma tem uma ligação muito forte e direta com a Ditadura Militar, no
sentido do combate a ela, tanto enquanto militante quanto como instituidora da
Comissão Nacional da Verdade. A bolsa de valores é um fator que parte
significativa da população não entende e, mesmo assim, dá bastante relevância,
considerando um fator importante. Fazendo uma relação inversa entre a
presidenta e a bolsa, há-se a tentativa de mostrar um conflito: Dilma seria um
impendimento ao crescimento da economia do Brasil (mais uma vez, a economia
está presente).
Revista Exame – Não vou me prolongar na
história da revista Exame, até porque, por ser da mesma editora da Veja (Grupo
Abril), suas linhas editoriais são bem semelhantes, com a diferença de a Exame
ser declaradamente uma revista especializada em economia e negócios, com esse
público-alvo claro. Vou, então, focar na razão de se falar na Petrobras na
semana em que o Golpe Militar completa 50 anos.
A Petrobras
nasceu de fato em 1953, ainda durante o Governo Vargas. Durante o Regime
Militar, a empresa foi reguardada e monitorada pela ditadura, fato revelado
pela Comissão Nacional da Verdade recentemente. A despeito de todas as
liberdades econômicas e a garantia dos direitos humanos trabalhistas, nesse
período a Petrobras se tornou líder na comercialização de derivados no país e
garantiu destaque no plano internacional, mais um fato que os saudosistas
reacionários afirmam como argumento para falar da Ditadura como época de ouro
da política brasileira.
Quando a Exame
pergunta ao consumidor em sua capa “Dá pra salvar a Petrobras?”, a primeira
informação que o veículo fornece é: a Petrobras está em decadência, a ponto de
ser quase impossível se achar uma solução. Mais afundo, a Petrobras, hoje não
mais pertencente ao regime “organizado” dos militares, não funciona mais.
Coincidência?
A Ditadura Militar - Regime ou ditadura
militar brasileira foi o regime autoritário, militar e nacionalista que se
instalou no governo do país entre 1 de abril de 1964 até 15 de março de 1985. A
implantação da ditadura começou com um golpe de Estado em 1964, quando as Forças
Armadas do Brasil derrubaram o governo do presidente eleito democraticamente
João Goulart e terminou quando José Sarney assumiu o cargo de presidente,
quando o país foi redemocratizado e teve início a Nova República.
A revolta
militar foi fomentada por Magalhães Pinto, Adhemar de Barros e Carlos Lacerda,
por governadores dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro,
respectivamente, e por grande parte dos grandes veículos de comunicação. O
regime militar brasileiro inspirou o modelo de outros regimes militares e
ditaduras por toda a América Latina, sistematizando a "Doutrina de
Segurança Nacional", que justificava ações militares como forma de
proteger o "interesse da segurança nacional" em tempos de crise.
(Informações históricas em textos de Boris Fausto e Eduardo Gonzales,
reproduzidos no site Wikipédia).
Aproximadamente
400 pessoas foram assassinadas ou desaparecidas, além de outras centenas
exiladas e toda uma nação impactada por um golpe político marcado por uma das
piores épocas da história da humanidade: o período dos regimes ditatoriais e
totalitaristas.
Tudo isso e a
grande mídia escolhe centralizar as atenções em como a economia está indo...
Levantamento das manchetes das revistas nacionais: Folha de S. Paulo.
Fonte das imagens (respectivamente): resistenciaemarquivo, abril e amalgama.blog.
Fonte das imagens (respectivamente): resistenciaemarquivo, abril e amalgama.blog.
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