Especial: Feira Pan-Amazônica do Livro

Ontem, dia 21, às 14 horas, teve início a 16ª edição da Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém. A Feira, realizada anualmente, é o maior evento literário do Norte do país e, este ano, espera receber 450 mil pessoas e apresentar 90 mil títulos de 500 editoras. Ademais, estarão presentes escritores de renome, como Ariano Suassuna, Luis Fernando Veríssimo, Martha Medeiros, o quadrinista Maurício de Sousa e os portugueses Gonçalo M. Tavares, Lídia Jorge e José Luis Peixoto.

O tema escolhido para ser discutido na Feira, realizada em plena Amazônia, não podia ser outro: sustentabilidade. Logo,  meio ambiente, água e recursos minerais serão alguns dos assuntos que estarão no foco de discussão do evento.

O homenageado pela Feira este ano é o maestro paraense Wilson Fonseca, o Isoca, conhecido por difundir o folclore e a História da Amazônia a partir de suas composições e que, este ano, completaria 100 anos caso ainda estivesse vivo. Além disso, este é um ano mais que especial para a literatura brasileira, pois, em 2012, comemora-se também o centenário do nascimento de dois dos maiores nomes das nossas letras: Jorge Amado e Nelson Rodrigues.

Já o país homenageado nesta edição da Feira será Portugal, e não coincidentemente, uma vez que 2012 foi escolhido como o Ano de Portugal no Brasil. Ironicamente, no mesmo ano em que se completa 190 anos da Independência do Brasil, o país tem a chance de, sem mágoas, redescobrir sua antiga metrópole. De acordo com o Ministério da Cultura, o Ano de Portugal no Brasil tem como objetivo "promover encontros que estimulem a criatividade e a diversidade do pensamento, das manifestações artísticas e culturais dos dois países, além de intensificar o intercâmbio científico e tecnológico e estreitar as relações econômicas entre as duas margens", e um desses encontros entre os dois países é justamente a Feira Pan-Amazônica do Livro. Os portugueses não foram responsáveis apenas pela colonização de nosso país, mas também estão ligados intrinsecamente às nossas raízes culturais, sendo Portugal, inclusive, o país de origem de nossa língua oficial, o português, o que, automaticamente, torna-os diretamente ligados ao desenvolvimento de nossa literatura.

Infelizmente, o Brasil possui um índice de leitura muito baixo, mesmo apresentando uma produção literária excepcional, representada por expoentes como Machado de Assis, João Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, José de Alencar, Jorge Amado, entre outros. Eventos como a Feira Pan-Amazônica do Livro tentam modificar esse aspecto da nossa (falta de) cultura, buscando incentivar esse hábito tão benéfico para o indivíduo e para a sociedade como um todo.

Por isso, achamos que seria inevitável fazer um especial tratando de alguns dos representantes da nossa tão rica literatura nacional. Além de falar sobre alguns escritores, escolhemos livros de cada um deles para indicar aos que irão visitar a Feira. Esperamos, dessa forma, ser capazes de estimular a leitura. Sem mais delongas, aqui eles estão:


      

  • André Vianco, por Jean Sato:

André Vianco é um escritor paulista famoso por suas obras com tema sobrenatural, geralmente utilizando vampiros como seu principal 'foco'. André resolveu preservar em suas obras boa parte dos pontos clássicos dos nossos amigos vampirescos, como repulsa a alho, fraquezas à luz do sol e a objetos de prata.

Começando por Os Sete, seguindo para o Sétimo e terminando com os três volumes de O Turno da Noite, a série de obras sobre os vampiros do D'Ouro foi responsável por destacar André como um dos mais bem vistos escritores brasileiros de terror na atualidade. Mas engana-se quem pensa que André só escreve sobre vampiros, podemos ver como ele foge do foco que o prestigiou, mas sem perder a qualidade, em obras como A Casa, O Caminho do Poço das Lágrimas e a sua mais recente obra O Caso Laura.

André também estuda Cinema e até já lançou alguns curtas (você pode conferir os curtas do André em seu canal no Youtube aqui). Quem sabe não veremos nossos queridos amigos do D'Ouro nas telonas, seria, no mínimo, interessante.

Livro: Os Sete.

Editora: Novo Século
Páginas: 380
Preço estimado: R$ 35,00

Não era muito fã dos nossos queridos amigos vampiros, mas após ler esse livro, alguns anos atrás, comecei a achar bastante interessante a temática sobrenatural.

Escolhi esse livro porque ele que dá a partida inicial à grande obra dos famosos vampiros do D’Ouro e me fez virar fã de André Vianco. Conta como tudo começou, uma simples busca por dinheiro fez com que nossos amigos César e Tiago encontrassem uma enorme caixa feita de prata contendo sete corpos, os nossos amigos Inverno, Acordador, Espelho, Gentil, Tempestade, Lobo e Sétimo, a partida inicial para uma grande aventura. Esse é um livro pra quem gosta de terror e, principalmente, de vampiros.



  • Carlos Drummond de Andrade, por Hudson Filho:
Poema:
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira. 
(Carlos Drummond de Andrade em Sentimento do mundo)



Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro (MG), em 31 de outubro de 1902. Drummond parece ter vindo ao mundo destinado a se agigantar e se eternizar como um dos mais célebres literatos que por aqui passaram. Como poeta, Drummond é inconstante, tendo diversas fases e cosmovisões, admiravelmente singular. Como cronista é irreverente: às vezes intimista, às vezes cômico. Fez crônicas suaves, de leitura mansa e gostosa. Para mim, ler Drummond é sempre um prazer, uma descoberta, uma redescoberta, dele e de mim.

Fui apresentado a este homem de óculos de aro grosso e sorriso afável ainda na infância, no começo de minha formação como leitor, através de pequenos compilados de crônicas que faziam parte da série "Para Gostar de Ler". E, olhem, eu realmente gostei! Drummond parece me acalmar a alma e agitar a mente, capaz de fomentar questionamentos através de versos simples como "No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ tinha uma pedra/ no meio do caminho tinha uma pedra" e de traduzir uma geração, um momento histórico ou um estado psicológico em "José" . O tempo não comprometeu sua genialidade, pelo contrário, o tempo moldou Drummond e permitiu a nós demonstrações de sua genialidade até o fim de sua vida.



Livro: Os 25 poemas da triste alegria.

Editora: Cosac Naify
Páginas: 250
Preço estimado: R$ 75,00

Uma boa forma de apreciar e entender Drummond é acompanhá-lo desde o início, para que assim note-se as diversas mudanças em sua escrita. Por isso, deixo para vocês leitores o que há de mais novo: Os 25 poemas da triste alegria. Este livro traz os primeiros versos de um Carlos de 20 anos, ainda imaturo, mas que já mostra o seu enorme potencial e genialidade.



  • Chico Buarque, por Yasmin Oliveira:

No dia 19 de junho de 1944 nasceu, Rio de Janeiro, Francisco Buarque de Hollanda ou como é mais conhecido, Chico Buarque. Quarto dos sete filhos do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda e da pianista e cantora amadora Maria Amélia Cesário Alvim. Chico viveu até os três anos de idade no Rio de Janeiro. Com quatro anos, muda-se para São Paulo por conta da nomeação de seu pai como diretor do Museu Ipiranga. Em 1953, o pai de Chico é convidado para dar aulas em uma universidade em Roma, assim a família muda-se novamente, dessa vez para a Itália.

Já em Roma, Chico se interessa pela escrita e pela música, sua casa sempre muito frequentada por artistas e músicos funciona como grande influência. Aos nove anos Chico já era trilíngue e conhece seu grande amigo e futuro parceiro Vinicius de Moraes. Por volta de 1961/62 Chico publica suas primeiras crônicas no jornal da escola e já mostra grande interesse em se tornar um escritor.

Em 1964, ingressa em sua vida musical e inicia sua grande obra de composições. Ao decorrer dos anos Chico se interessa mais pela música, mas não deixa de lado suas composições e raros artigos. A repressão do Regime Militar fazem com que Chico se autoexile na Itália. Nessa época, ele também se destacava no teatro, como escritor e compositor, escreveu muitas peças e em quase todas tinha sua participação musical. Em 1975, ganha o Prêmio Moliére como melhor autor teatral por seu trabalho em Gota D'água, uma releitura de Medeia de Eurípedes.

Em 1977, escreve o texto e compõe as músicas da peça Ópera do Malandro, uma de suas obras mais conhecidas. Em 1979, lança seu primeiro livro, Chapeuzinho Amarelo, um livro infantil. Em 1981, lança o livro A bordo do Rui Barbosa. Em 1991, lança seu primeiro romance, Estorvo, pelo qual ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura e foi readaptado e vendido em mais de 6 países e, um pouco mais tarde, adaptado para o cinema, onde concorre à Palma de Ouro do 53º Festival Internacional de Cannes. Lançou ainda mais dois livros Budapeste e Leite Derramado, tendo ambos concorrido e vencido o Prêmio Jabuti de Literatura.


Livro: Leite Derramado.

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 195
Preço estimado: R$ 39,50

Muito se ouve falar do músico Chico Buarque, mas pouco se exalta o seu lado literário. O livro Leite Derramado foi lançado em 2009, com uma história envolvente e com uma linguagem desarticulada e confusa do personagem, o livro prende a atenção à história contada no decorrer de dois séculos, acompanhando toda a cultura e política de cada época, enlaçada em romances e situações atemporais. Um monólogo interessante, contado por um senhor de idade já em um hospital, revivendo suas lembranças e a história da sua vida.


  • Clarice Lispector, por Alice Martins:
    "Há uma hora em que se deve esquecer a própria compreensão humana e tomar um partido, mesmo errado, pela vítima, e um partido, mesmo errado, contra o inimigo.” 
(Clarice Lispector em entrevista à BBC inglesa)
 
A passagem acima é uma legítima frase da autora injustiçada Clarice Lispector. Sim, injustiçada, pois, com certeza, você já deve ter visto pelo Facebook uma passagem tipo "dormir de conchinha é muito bom... Mas acordar olhando nos olhos e sentindo sua respiração... É SENSACIONAL...", o que, para quem já leu Clarice - paro um instante para fazer a seguinte observação: é ClariCe e não ClariSSe -, sabe que essa frase está muito erroneamente atribuída, o que é uma injustiça para o grau de intelectualidade da autora.

"Mas, então, se essa não é Clarice Lispector, quem é?", pergunta você, caro leitor. Pois bem, vou tentar apresentá-la. Haia Pinkhasovna Lispector nasceu na Ucrânia no dia 10 de dezembro de 1920, quando seus pais percorriam várias aldeias da Ucrânia por conta da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa. Com apenas dois meses de idade, chegou ao Brasil, por isso Clarice dizia que nada tinha com a Ucrânia - "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo" - e que sua verdadeira pátria era o Brasil, apesar de ter um sotaque bem diferente aos nossos ouvidos (provavelmente pelo convívio com os pais). Então, obviamente, se tornou naturalizada brasileira desde cedo e virou Clarice Lispector.

Ela foi romancista, contista, cronista e jornalista, sendo considerada um dos maiores nomes da Literatura brasileira e mundial de todos os tempos, inclusive descrita pelo The New York Times como "o equivalente de Kafka na literatura latino-americana". Sua obra é dificílima de descrever e/ou classificar, porém muito prazerosa de ler. A escritora e filósofa francesa Hélène Cixous vai ao ponto de dizer que há uma literatura brasileira A.C. (Antes da Clarice) e D.C. (Depois da Clarice). 

Assinou a coluna "Correio feminino - Feira de Utilidades", dentre outras e é mais famosa por suas obras de romance, como Paixão Segundo G.H., A Hora da Estrela e A Maçã no Escuro.

Teve uma vida conturbada, cheia de viagens (devido ao casamento com um membro do Ministério das Relações Exteriores), frustrações e muita literatura. Teve dois filhos: Pedro e Paulo, o primeiro vítima da esquizofrenia. Morreu um dias antes do seu aniversário de 57 anos, em 09/12/1977, devido a um câncer inoperável no ovário. Até a manhã de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para sua amiga Olga Borelli.

Livro: A Hora da Estrela.

Editora: Rocco
Páginas: 87
Preço estimado: R$ 20,00

"A hora da estrela é um romance sobre o desamparo a que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos entregues."  (José Castello)

Meu primeiro contato com o trabalho da Clarice Lispector foi aos 9 anos, lendo o livro "A vida íntima de Laura", no qual ela conta a história de uma galinha com a qual convivia na infância, uma galinha bem "feinha", mas muito simpática, chamada Laura. Essa leitura, apesar de uma das poucas obras infantis dela, foi bem válida para conhecer uma das características marcantes de muitos de seus textos: a reflexão intimista. 

Contudo, A Hora da Estrela é um romance que foge a essa regra. Neste, que foi seu penúltimo romance, a autora adotou uma postura mais sisuda e impessoal, adotando, inclusive um alter-ego masculino, o Rodrigo S.M., para ser o "autor" da história, já que, como ela mesma disse, "escritora mulher pode lacrimejar piegas". 

A história deste livro pode ser, na essência, muito triste, mas é contada de uma forma belíssima. É a história de uma nordestina chamada Macabéa, que assim como a galinha Laura é "feinha" e tem uma vida triste, mas nem percebe. Ela vive no Rio de Janeiro e trabalha como datilógrafa, vivendo de forma simples e sem prazeres, sem emoções. Na verdade, Macabéa praticamente nem tem identidade. 

Um dia, a ingênua nordestina conhece o Olímpio de Jesus, e eles começam um namoro totalmente sem graça até que ele, não vendo ascensão social nela de nenhum tipo, abandona-a e passa a namorar Glória, filha de um açougueiro. Com isso, Macabéa consulta uma cartomante que vai abrir seus olhos para a realidade e mostrará a ela um futuro melhor.  

O livro ganhou uma adaptação cinematográfica em 1985, sob a direção de Suzana Amaral, que pode ser assistido completo no Youtube

A Hora da Estrela proporciona uma leitura rápida, fácil e uma ótima opção para conhecer outro lado de Clarice e para saber mais da realidade brasileira não só daquela época, mas como a atual. E se você estiver se perguntando o porquê do título, leia para descobrir (acredite, vale a pena).

P.S: Recomendo a leitura do texto da autora no Blogs do Além

  • Jorge Amado, por Thamires Rafael:

“Porque naquelas casas, se o acolhiam, se lhe davam comida e dormida, era como cumprindo uma obrigação fastidiosa. Os donos da casa evitavam se aproximar dele, e o deixavam na sua sujeira, nunca tinham uma palavra boa para ele. (...) Mas desta vez estava sendo diferente. Desta vez não o deixaram na cozinha com seus molambos, não o puseram a dormir no quintal. Deram-lhe roupa, um quarto, comida na sala de jantar. (...) Então os lábios de Sem-Pernas se descerraram e ele soluçou, chorou muito encostado ao peito de sua mãe. E enquanto a abraçava e se deixava beijar, soluçava porque a ia abandonar e, mais que isso, a ia roubar. E ela talvez nunca soubesse que o Sem-Pernas sentia que ia furtar a si próprio também.”
(Jorge Amado em Capitães da Areia)


Devo confessar que não sou uma leitora assídua de escritores clássicos, mas não poderia deixar de lado um dos maiores escritores da literatura brasileira, Jorge Amado, cujo centenário está sendo comemorado este ano.

Jorge Amado nasceu em Itabuna, na Bahia, no ano de 1912, e morreu no ano de 2001, perto de completar 89 anos, em Salvador. A seu pedido, foi cremado e as cinzas colocadas ao pé de uma mangueira em sua casa.Considerado um dos maiores protagonistas da literatura brasileira, Jorge Amado é um escritor atemporal, ou seja, foi e é lido por pessoas de idades variadas. Sua obra foi publicada em diversos países e ainda hoje é adaptada para o rádio, cinema, televisão e teatro, transformando seus personagens em parte indissociável da vida brasileira.

Iniciou seu brilhante trajeto na literatura no ano de 1930, com a publicação (por uma editora carioca) da novela "Lenita", escrita em colaboração com Dias da Costa e Édison Carneiro. Seus primeiros romances foram "O País do Carnaval" (1931), "Cacau" (1933) e "Suor" (1934).

Jorge Amado formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em 1935, mas nunca exerceu a profissão. Em 1939, foi redator-chefe da revista "Dom Casmurro". De 1935 a 1944, escreveu os romances "Jubiabá", "Mar Morto", "Capitães de Areia", "Terras do Sem-Fim" e "São Jorge dos Ilhéus".

Na tranquila cidade de Petrópolis, em 1958, escreveu "Gabriela, Cravo e Canela". O livro, publicado em agosto, com uma tiragem de 20 mil exemplares, esgota em apenas duas semanas. "Gabriela" coleciona prêmios: Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro, Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, entre outros. No dia 6 de abril de 1961, Jorge é eleito de forma unânime para a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras.

Cada vez  mais recluso, devido a seus problemas de saúde, comemora em agosto de 2000, com poucos amigos e familiares, seus 88 anos. Vivia deprimido por se encontrar quase sem enxergar e sob dieta rigorosa, afinal ele foi obrigado a privar-se das coisas que mais gostava: escrever, ler um bom livro e saborear um bom prato de comida.

Livro: Capitães da Areia.

Editora: Companhia das Letras
Páginas: 296
Preço estimado: R$ 39,00

Tive contato muito cedo com a obra de Jorge Amado, desde criança fui acostumada a ler seus livros. Entre tantos que já li, o que mais se destacou pra mim foi Capitães da Areia que é um dos livros mais conhecidos do ilustre escritor e foi adaptado recentemente para o cinema. Publicado em 1937, o romance nos conta a história de um grupo de jovens arruaceiros de Salvador que roubam para sobreviver e têm como seu chefe Pedro Bala.

Grande parte dos personagens são masculinos, dentre eles, Pedro Bala, cuja agilidade sugerida pelo apelido lhe dado merece especial atenção. Temos ainda no grupo João Grande, Volta Seca e Boa Vida, todos muito bem configurados pelos seus apelidos baseados em suas aparências físicas.

Capitães da Areia é claramente uma obra de protesto, mas não se vale de ocas figuras centrais que se limitem a expor determinadas filosofias, tampouco marcas pejorativas, os personagens do livro são bem desenvolvidos.


  • Machado de Assis, por Romulo Ferreira:

Confesso não ser um dos leitores mais ávidos, mas espero estar à altura de falar um pouco sobre Joaquim Maria Machado de Assis. Mesmo sendo de origem pobre, autodidata e nunca ter frequentado uma universidade, Machado é, incontestavelmente, o maior dos escritores brasileiros.  Até mesmo para mim, é impossível não reconhecer sua obra e sua importância na literatura lusófona e mundial.

Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e faleceu também no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1908, por conta de uma úlcera cancerosa na boca. Após o falecimento de sua esposa, Carolina Augusta Xavier de Novais, em 1904, Machado, mesmo com a companhia de seus amigos, não conseguiu superar tal fato, tendo, inclusive, refletido isso em suas últimas obras, notando-se um ar de saudade nas mesmas. A morte de sua amada o abalou muito, o que não o impediu de continuar estudando, trabalhando, lendo etc. Porém, o fato o fez entrar em profunda depressão, o que agravou seus problemas de saúde, como a epilepsia e o câncer de boca, o que levou à sua morte.

Machado de Assis foi realmente um escritor excepcional, pela quantidade, qualidade e inovação de sua obra, tratando de assuntos variados e muitas vezes polêmicos (como a escravidão), quanto por ter se aventurado em diversos gêneros literários, o que acabou tornando-o um jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, além de crítico literário. Também esteve intimamente envolvido com a criação da Academia Brasileira de Letras, sendo eleito seu primeiro presidente e tendo permanecido no cargo até o fim de sua vida.

Livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Editora: Saraiva de Bolso
Páginas: 225
Preço estimado: R$ 12,90

Memórias Póstuma de Brás Cubas é uma verdadeira obra-prima da literatura e faz parte da Trilogia Realista, a qual é formada pelos romances responsáveis pela mudança no estilo de escrita de Machado e também por introduzir o realismo no Brasil. A Trilogia é composta por: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899).

O romance é narrado por Brás Cubas após sua morte, sendo assim uma autobiografia. Brás Cubas conta, de forma nada linear, acontecimentos desde sua infância até o dia de sua morte, passando, inclusive, por um delírio pouco antes de sua morte. Traços do realismo são constantes na obra, como a veracidade, o que mostra o que realmente se passa na sociedade, sem distorcer nada, sendo isso bom ou ruim. Além da crítica à escravidão e à alta sociedade, demonstrada através da maneira mimada que Brás Cubas foi criado e a maneira que os escravos eram tratados.

Eis um trecho do livro em que se pode ter um vislumbre da ironia e pessimismo presentes em sua obra: "Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura – nada menos que a quimera da felicidade – ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão."



  • Manuel Bandeira, por Bruno Miranda:

"Criou-me, desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!"
(Manuel Bandeira em Testamento)


Até alguns anos atrás, nunca havia sido um grande entusiasta da poesia. Entretanto, alguns autores me fizeram mudar de ideia. Um deles foi o pernambucano Manuel Bandeira. Sua escrita simples e divertida, regada por uma linguagem popular, não tardou em me encantar, tornando-o meu poeta favorito.

Autointitulado "poeta menor", Manuel Bandeira nasceu no Recife em 1886 e depois mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por quase toda a sua vida. Aos 18 anos, teve que abandonar os estudos para tratar de uma doença que o acometia: a tuberculose, que, naquela época, era considerada incurável. 

Com os anos, seu estado de saúde só piorava, o que o levou a viajar à Suíça para se tratar em um sanatório. Lá, o prognóstico feito pelo médico não foi muito animador: ele poderia viver por apenas mais cinco, dez ou quinze anos, não mais que isso. Logo, como forma de consolo pela sua saúde frágil - e morte inevitável -, Bandeira lançou-se ao exercício literário. E foi através da literatura que ele refletiu sobre a sua vida, tirando forças para lidar com as ameaças da doença e da morte. 

Em sua obra, Manuel Bandeira retratou, entre outras coisas, suas memórias de infância no Recife, o folclore e a religiosidade brasileira, o cotidiano, seus sentimentos, sua doença e aquela a quem ele chamava de "a indesejada das gentes". Além disso, foi um ferrenho defensor da poesia moderna, desferindo duras críticas aos parnasianos que, no início do século XX, ainda dominavam o gosto do público brasileiro. Cansado dos poemas da "arte pela arte", escassos de conteúdo, ele retratou sua indignação no seu poema Os sapos, recitado durante a Semana de Arte Moderna de 1922, dizendo: "Clame a saparia/ Em críticas céticas:/ Não há mais poesia,/ Mas há artes poéticas...". Sem dúvida alguma, Bandeira foi um dos grandes mestres do modernismo.

Felizmente, o médico estava errado quanto ao seu prognóstico e o escritor viveu até os 82 anos (bem mais que o previsto), deixando durante essa trajetória um novo rumo para a poesia brasileira na forma de obras-primas como Libertinagem e Estrela da Manhã.

Livro: 50 poemas escolhidos pelo autor.

Editora: Cosac Naify
Páginas: 88
Preço estimado: R$ 69,00

50 poemas escolhidos pelo autor não é apenas uma antologia, mas uma seleção especial feita pela próprio autor. O livro por si só já é um reflexo do estilo de Bandeira: reduzir tudo ao essencial. Nele, estão presentes alguns dos poemas mais marcantes de sua obra, como PneumotóraxLenda brasileiraAndorinhaIrene no céu e Vou-me embora para Pasárgada. Nessa antologia, o poeta soube magistralmente incluir com coerência e excluir com rigor.

Por outro lado, o preço não é dos melhores, admito, mas o acabamento do livro é um verdadeiro luxo. Ainda por cima, essa edição vem acompanhada por um CD com vinte e cinco dos poemas do livro lidos pelo próprio autor (e quem melhor para interpretar esses poemas?). Se você é um fã do Manuel Bandeira, como eu, esse com certeza é um livro que vale a pena adquirir.


  • Marcelo Rubens Paiva, por Tie Okajima e Christiany Yamada:

"Não sei como vou estar fisicamente, não sei como irei ganhar a vida e não estou a fim de passar nenhuma lição. Não quero que as pessoas me encarem como um rapaz que apesar de tudo transmite muita força. Não sou modelo pra nada. Não sou herói, sou apenas vítima do destino, dentre milhões de destinos que nós não escolhemos. Aconteceu comigo. Injustamente, mas aconteceu. É foda, mas que jeito..."
(Marcelo Rubens Paiva em Feliz Ano Velho)


Nascido em 1959, o jornalista, escritor e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva soube bem cedo o que significa nascer num dos períodos mais cruéis da História do Brasil: teve sua casa invadida por agentes da Ditadura Militar, os quais levaram seu pai, que nunca mais foi visto. Após viver tal horror político durante sua infância, adquiriu engajamento político e social - obviamente, apoiando a democracia e partidos de esquerda - e mergulhou também na arte. Marcelo é um profundo conhecedor e amante do cinema, do teatro, da música e, principalmente, da literatura. Marcelo escreveu, em 1982, Feliz Ano Velho, livro que o consagrou, no qual relata os acontecimentos de sua vida após um acidente que o deixou paraplégico. Atualmente, Marcelo mantém a coluna Pequenas neuroses contemporâneas no site do Estadão.

Livro: Feliz Ano Velho.

Editora: Objetiva
Páginas: 272
Preço estimado: R$ 39,90

Marcelo começou a escrever muito jovem, mas só criou seu primeiro livro, Feliz Ano Velho, sobre experiências autobiográficas, depois de, ao mergulhar num rio raso fazendo pose de Tio Patinhas, perder o o movimento de suas pernas (o escritor recuperou o movimento dos braços graças à fisioterapia). O livro, ao contrário do que muitos pensam, não se trata de uma história monótona, nem Marcelo se preocupou em fazer de sua história um "exemplo de superação". Mesmo começando o livro com o acidente e desenvolvendo sua narrativa através do seu processo de recuperação, Marcelo também fala, de maneira bem curiosa, ironicamente divertida e honesta, de coisas como suas fantasias com as enfermeiras, de quando tinhas suas fezes tiradas de dentro do seu próprio ânus durante os banhos no hospital, oscilando também entre lembranças mais antigas como o dia em que seu pai foi levado pelos militares, a luta para encontrá-lo, algumas de suas experiências sexuais - inclusive quando transou com uma virgem -, a vida na faculdade morando numa república e tocando em bandas e seu gato de estimação que costumava subir nos seus discos de vinil enquanto eles estavam tocando.

Fonte das imagens: Wikimedia Commons.

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