Minha vida se resume a algumas paixões e umas tantas
obrigações. Uma das coisas que
faço pra matar o tempo e me livrar um pouco da monotonia é ler alguns poemas, em
especial os de Augusto dos Anjos. Sempre que o leio recordo-me do poema "Autopsicografia", de Fernando Pessoa, que diz:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só as que ele não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
E ao lembrar do poema acima chego à conclusão de que Augusto dos Anjos foi o maior fingidor de todos.
Augusto traduzia as dores de tudo o que seus olhos pudessem enxergar e tudo o que pudesse imaginar, fosse vivo ou morto, tudo podia ser alvo de sua poesia, como nos poemas "A um cão" e "Numa forja". A tuberculose que o acometeu (e o levou a ter uma morte precoce, aos 30 anos) influenciou profundamente o perfil de seus poemas, seus últimos textos são retratos de sua desilusão e sofrimento.
Seus poemas são repletos de metáforas, sinestesia, termos científicos emprestados da química, da botânica e da medicina. São poemas complexos e cheios de significado. A complexidade de seus poemas é tal que é difícil classificá-lo: simbolista, parnasiano ou pré-modernista - o que importa aqui não é a árvore, e sim seus frutos.
Ler Augusto dos Anjos, por mais incrível que pareça e mais soturno que seja, me deixa bem. Espero que lê-lo seja tão prazeroso para você quanto é para mim.
Deixo abaixo alguns poemas do "Poeta da Morte" :
Seus poemas são repletos de metáforas, sinestesia, termos científicos emprestados da química, da botânica e da medicina. São poemas complexos e cheios de significado. A complexidade de seus poemas é tal que é difícil classificá-lo: simbolista, parnasiano ou pré-modernista - o que importa aqui não é a árvore, e sim seus frutos.
Ler Augusto dos Anjos, por mais incrível que pareça e mais soturno que seja, me deixa bem. Espero que lê-lo seja tão prazeroso para você quanto é para mim.
Deixo abaixo alguns poemas do "Poeta da Morte" :
PSICOLOGIA DE UM VENCIDO SONETO
Eu, filho do carbono e do amoníaco, Ao meu primeiro filho nascido
Monstro de escuridão e rutilância, morto com 7 meses incompletos.
Sofro, desde a epigênese da infância, 2 fevereiro 1911
A influência má dos signos do zodíaco. Agregado infeliz de sangue e cal,
Profundissimamente hipocondríaco, Fruto rubro de carne agonizante,
Este ambiente me causa repugnância... Filho da grande força fecundante
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Da minha brônzea trama neuronial,
Que se escapa da boca de um cardíaco. Que poder embriológico fatal
Já o verme — este operário das ruínas — Destruiu, com a sinergia de um gigante
Que o sangue podre das carnificinas Em tua morfogênese de infante
Come, e à vida em geral declara guerra, A minha morfogênese ancestral?!
Anda a espreitar meus olhos para roê-los, Porção de minha plásmica substância,
E há de deixar-me apenas os cabelos, Em que lugar irás passar a infância,
Na frialdade inorgânica da terra! Tragicamente anônimo, a feder?!
Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do não ser!
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