Qual é a verdadeira face do amor?

É com a pergunta do título que Mario Vargas Llosa, Nobel da Literatura de 2010, nos instiga a desvendar o seu romance Travessuras da menina má. Juro, não sou daqueles que acredita em amor propriamente dito, muito menos à primeira vista. Desprezo romantismos. Mas a história de Ricardo e a menina má tomou minha atenção por semanas, tanto que hoje considero as Travessuras - ao lado do Ensaio sobre a cegueira de Saramago e das Ficções de Borges - meu livro favorito. 

Ricardo Somocurcio é um jovem peruano cujo maior sonho é viver em Paris. Possui uma vida pacata: mora com sua tia no aristocrático bairro de Miraflores, tem aulas de inglês e francês, pratica esportes com seus amigos, frequenta o clube aos domingos e vai aos bailes dançar com as garotas do bairro. É nesse clima de tranquilidade que surge a garota que o marcaria pelo resto da vida, Lily, a chilenita. Era uma garota bonita e, não apenas pela beleza, atraente. Misteriosa, vinda de outro país, logo chamou a atenção de todos os rapazes do bairro, que a desejavam mais que tudo. Ricardo não foi exceção, caiu de amores pela sensualidade exótica de Lily. Saíram juntos, divertiram-se, namoraram, mas, não importava o que Ricardo oferecia, nada parecia ser suficiente para ela. Depois de uma pequena confusão em uma festa de aniversário, a garota desaparece e ninguém nunca mais ouve falar dela. Ele, entretanto, jamais esquece a garota que tomou conta dos seus pensamentos naquele verão.

Após o incidente, já adulto, Ricardo consegue realizar seu sonho parisiense, sendo contratado como tradutor pela recentemente formada UNESCO. Em plenos anos 60, é tempo de Guerra Fria. A Revolução em Cuba inspira os jovens de todo o mundo. Governos de esquerda emergem na América Latina e terríveis ditaduras estão próximas de serem implantadas. Guerrilheiros são mandados secretamente para Cuba para receberem treinamento militar, podendo assim levar o sonho marxista para os seus países de origem. É nesse contexto que Ricardo reencontra, na França, Lily, mas desta vez com outro nome. O reencontro, porém, não dura muito. Lily agora é uma dessas guerrilheiras e está a caminho de Cuba, deixando-o novamente sofrendo de amores.

Com o passar dos anos, Ricardo e Lily encontram-se nos mais variados lugares e, no caso dela, com as mais variadas identidades. A Londres da liberdade sexual, das drogas, dos hippies e da beatlemania, até a decadência da cultura paz-e-amor com o surgimento da AIDS e da comercialização da cultura de protesto nos anos 70. A Tóquio dos grandes mafiosos da Yakuza, no Japão pós-ocupação americana. A Madri em transição política, com a queda do franquismo, nos anos 80. Ele sempre dando tudo o que pode oferecer à menina má e ela sempre querendo mais do que o seu coisinha à toa pode oferecer. O acomodado e a ambiciosa. Uma história de amor fascinante.

O livro, entretanto, não se reduz apenas à descrição da paixão impossível entre o bom menino e a menina má. Vargas Llosa busca as origens da ganância como prova de que o homem nada mais é do que um produto de seu meio, haja vista que a desigualdade que nos permeia muitas vez é responsável pela rudeza do ser humano. Numa sociedade regida pelo capital e que preza, sobretudo, o individualismo, as milhões de pessoas que ficam à margem do progresso econômico muitas vezes desenvolvem em torno de si um muro de indiferença a partir do qual podem lutar pela sua existência. Afinal, você é o que você tem. Nessa lógica de fuga das mazelas do subdesenvolvimento e luta contra a invisibilidade social, muitos se deparam com a seguinte questão: para quê ter princípios ou sentimentos se isso não pode saciar minha fome, dar a minha família uma moradia digna ou fazer com que eu seja alguém?

Ah, mas não vamos esquecer a resposta do título-pergunta. O amor, com toda certeza, não significa fidelidade extrema ou eterna concordância, muito menos a mera formalização de um relacionamento, que hoje tanto é valorizado. O amor verdadeiro sequer me atrevo a descrever, pois isso é trabalho para os poetas, e muito menos definir. Afinal, como disse Machado de Assis, a melhor definição de amor não vale um beijo de moça namorada.

Fonte das imagens (respectivamente): Editora Objetiva e Wikipédia.

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