As boas mulheres da China


"Qual é a filosofia das mulheres? O que é a felicidade para uma mulher? O que faz uma boa mulher?"

Foi se fazendo essas três perguntas que Xinran desenvolveu o trabalho que deu origem ao livro "As boas mulheres da China", o qual indico fortemente.

Xinran é uma mulher chinesa, jornalista e escritora crescida durante a Revolução Cultural do seu país. Em uma manhã de 1989, ao chegar na rádio em que trabalhava, recebeu uma carta de um garoto, na qual ele denunciava um caso em que um homem de sessenta anos mantinha presa uma mulher nova - esposa que comprou, provavelmente raptada - presa com uma grossa corrente de ferro para que ela não fugisse dele. A jovem estava prestes a morrer e o garoto pedia a ajuda de Xinran, devido à influência dela. 

Depois de presenciar tanta dificuldade e descaso em relação ao caso, quando foi salvar a jovem, Xinran se pergunta: quanto vale a vida de uma mulher na China? Assolada com a pergunta, a jornalista inicia um projeto para tentar entender as chinesas, apesar de receber conselhos de não fazer isso. Esse projeto gerou o livro. 

A julgar pela capa do livro, achei que fosse puramente um levantamento histórico. Estava enganada. "As boas mulheres da China" é uma grande aula de Literatura, de Jornalismo e de História.

O livro tem uma linguagem fácil de compreender e é dividido em 15 capítulos, cada qual contando a história de uma mulher chinesa diferente, inclusive a da própria autora. Nele, Xinran lida com preconceitos  e quebra esteriótipos. Podemos, também, perceber as semelhanças e as diferenças entre as culturas ocidental e oriental - não a respeito exatamente da comida e da aparência, mas a forma como as pessoas agem.

A autora nos faz refletir sobre o modo que vemos tanto as mulheres chinesas como os homens chineses. Ela mostra o lado mais ríspido e frio dos chineses - o qual mais conhecemos - e, ao mesmo tempo, mostra que são humanos como quaisquer outros, que também têm um lado frágil, que choram, sentem compaixão, solidariedade, carinho, saudade, apaixonam-se; enfim, sentem.

A aula histórica que o livro dá é mostrar, através das histórias dessas 15 mulheres, uma sociedade profundamente marcada por uma cultura patriarcal, machista e repressora, cheia de cicatrizes da Revolução Cultural Chinesa - que separou e destruiu várias famílias - e pela China de Mao Tsé-Tung. Misturando o passado e o presente, a autora mostra os contrastes que a sociedade chinesa enfrenta entre tradição e modernidade.

A aula literária se dá através da linguagem acessível, que encontra um equilíbrio entre o formal e o informal, além da boa estruturação do livro e a proximidade que sentimos com Xinran por sua narração intimista.

A aula jornalística é ainda mais evidente: todas as histórias - à exceção da dela própria - são frutos de seu trabalho no seu programa de rádio Palavras na brisa noturna, no qual trabalhou durante oito anos e discutia questões femininas ousadas naquela China recém-liberta.

Muitos livros contam as histórias de várias personagens femininas, mas Xinran o faz de forma singular, usando perfis de personagens que não saem do lugar-comum e, ao mesmo tempo, não são nem um pouco clichês. Ela fala daquela que amou em vão, a que sofreu, a sem família, a mãe, a filha, a tia, a do casamento infeliz... Ela fala das boas mulheres da China - seja lá o que ser boa mulher significar. 

Fonte das imagens (respectivamente): Uma gordinha descolada e Carolina Rossetti.

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