Nem coitados, nem ignorados

O Brasil é um país que, cada vez mais, trabalha para promover a inclusão social. Entretanto, seus avanços ainda não foram suficientes para alcançar todos; o preconceito dos brasileiros ainda existe e é bastante perceptível; e, além disso, o pior é observar o descaso tanto dos cidadãos, como dos setores - públicos e privados - em relação às diferenças, principalmente as limitações - sejam elas físicas ou psíquicas.

Para algumas pessoas, uma escada pode ser um obstáculo impossível de ser superado sozinho, mas, ainda assim, não vemos rampas o suficiente - e, quando há, muitas vezes são colocadas apenas com o intuito de facilitar o transporte de mercadorias em carrinhos. Casos como esses, que aceitamos como normais, contribuem para o isolamento de pessoas com limitações físicas.

Nas paralimpíadas, que ocorreram há poucos meses, destinada apenas a pessoas portadoras de necessidades especiais, foi possível observar que, por mais que alguém não possua todos os membros ou sentidos, isso não o impede de realizar tantas coisas assim. Enquanto muitos de nós os subestimamos e alguns insistem em tratá-los como "coitados", bailarinas cegas são capazes de realizar verdadeiros espetáculos.

A falta de visão também não impediu que Ray Charles* fizesse uma revolução na música - não só por cantar e tocar um piano que ele não via, mas por ter sido provavelmente o primeiro a misturar a melodia da música gospel com letras que falavam de amor, mulheres e sexo e ter sido o primeiro a se recusar a tocar para uma plateia segregada, em meio a um Estados Unidos racista.

Rick Allen, baterista da banda Def Leppard, teve seu braço esquerdo arrancado em um acidente de carro, aos 21 anos, no auge do sucesso da banda. E, quando muitos pensaram que seria o fim de sua carreira, Rick, depois de aprender a tocar apenas com um braço e as duas pernas numa bateria modificada, continuou fazendo shows e, logo depois, lançou, junto com a banda, o álbum "Hysteria", maior sucesso da banda.

Marcelo Rubens Paiva, que escreveu um livro** que relatou desde seu acidente, que o imobilizou, até sua recuperação e retomada da vida como cadeirante, não o faz tornando a si mesmo um "exemplo de superação emocionante", mas sim retratando como Marcelo, mesmo sem poder mexer as pernas, ainda é o mesmo sujeito intelectual, libidinoso e irônico, e que hoje vive sozinho em seu apartamento com seus gatos, dirige, escreve, transa, viaja - em suma, é capaz de realizar praticamente qualquer tarefa.

Porém, em julho deste ano, o próprio Marcelo, que necessita de transporte diferenciado para sair de uma aeronave, foi "esquecido" pela TAM dentro de um avião, quando sua saída deveria ter sido a primeira a ser providenciada, se o tratassem com o devido respeito.

Rick Allen, baterista da banda Def Leppard
Pessoas com qualquer limitação têm a capacidade de fazer muitas coisas. A verdadeira limitação que elas sofrem vem de nós, omissos, indiferentes às suas necessidades ou que as subestimam.

Para que todos passem a respeitar pessoas com limitações físicas e conheçam sua capacidade, penso que seria de extrema importância que rampas, elevadores ou qualquer outro instrumento de acessibilidade seja obrigatório em todas as empresas; que se criem mais cotas para estas pessoas; que temas referentes à sua inclusão social sejam mais discutidos e mostrados na mídia e nas escolas; e, é claro, que qualquer tratamento relacionado a casos como esses sejam gratuitos - uma vez que a saúde e a vida são um direito de todos, e todos devem poder usufruir das mesmas coisas e serem tratados com igual respeito. Isso, sim, seria um grande passo para a promoção da inclusão social.

*para ler mais sobre Ray Charles.
**para ler mais sobre o livro Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva.

Fonte das imagens (respectivamente): StrathdeeOracylopes e Mataleone1.

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