A virgindade feminina


Desde cedo notava a diferença com que a sexualidade era tratada de acordo com o gênero. Para os meninos, era algo natural e incentivado (às vezes, até demais). Para as meninas, era tido como um tabu. Desde que nascem, meninas são ensinadas a reprimir sua sexualidade e a manter seu hímen intacto, como se toda sua dignidade dependesse disso.

Embora já tenha acontecido uma revolução sexual no século XX  muito importante, por sinal , atualmente, não sei se devido a um “retrocesso” ou pela insuficiência de tal manifestação, muitas famílias ainda têm a preocupação de privar suas filhas do sexo, ignorando todos os avanços socioculturais. Muitas vezes não por medo de doenças ou gravidez precoce, mas pela preocupação de manter a “pureza”, levando um simples pedaço de pele a uma supervalorização  que recentemente rendeu mais de um milhão de reais a uma brasileira.

Eu mesma já conheci garotas que casaram extremamente cedo apenas para poderem dar inicio a suas vidas sexuais em paz. Garotas de 17/18 anos precisam se submeter a uma decisão tão séria e tão cedo, abdicando de sua liberdade para viverem sob a prisão matrimonial apenas para poderem realizar a necessidade biológica e sentimental de transarem pela primeira vez.

Mas, afinal, por que o hímen é tão importante? Ou melhor: por que o prazer feminino ainda é tão preocupante? O que faz de uma mulher “intocada” melhor que uma “corrompida”? Por que “hímen” é sinônimo de “pureza”? Uma mulher, quando perde a virgindade, torna-se “suja”? Por que o gozo feminino incomoda tanto?

Na Bíblia, Maria  provavelmente a única mulher que é tratada com algum respeito pela Igreja e pelos fiéis  foi quem deu a vida a Jesus. Embora fosse mulher – gênero tão menosprezado pelo livro sagrado , Maria era a figura maternal, submissa, e, principalmente, virgem (mesmo, incoerentemente, sendo mãe), e, só assim, foi santificada. Pelo jeito, Maria, para ser santa, não poderia ter engravidado de Jesus pelos métodos convencionais: rompendo seu hímen, transando, gemendo, gozando. Não, jamais! Aliás, Maria, antes mesmo de ser Maria, é virgem – Virgem Maria.

Todo esse machismo tão antigo, infelizmente, é refletido até hoje. Nos Estados Unidos, por exemplo, seguindo as tradições cristãs, criaram-se os chamados “bailes da pureza”, isto é, um baile, bastante similar ao casamento, em que meninas, por volta de seus 10 anos, acompanhadas pela figura paterna, vestem-se de branco e juram ao seu pai manterem-se virgens até o dia de seu casamento – o que, no meu ponto de vista, é simplesmente abdicar do próprio corpo, que agora pertence ao pai, até o momento em que este o entregará a outro homem. Nunca, portanto, o corpo será da própria mulher.

Todo esse endeusamento da mulher intocada também fez com que, no Japão, Minami Minegishi, cantora de 20 anos que faz parte do grupo pop AKB48 – cujo contrato proíbe que as integrantes tenham relacionamentos amorosos , fosse retirada da banda, condenada pelo país e imprensa, raspasse o cabelo como autopunição e fizesse um vídeo pedindo desculpas depois de ter sido flagrada saindo da casa de outro cantor pop, possivelmente seu namorado. No vídeo, a cantora, apelidada de Mii-chan, chora e diz que seu comportamento foi “indesculpável, impensado e sem consciência”. Enquanto isso, porém, nada aconteceu ao rapaz.

Sendo assim, pode-se perceber que tanto no Oriente quanto no Ocidente, embora haja divergências, a opressão às mulheres pode ser percebida em ambos, assim como a valorização do hímen. Em algumas culturas orientais mais "tradicionais", até hoje, se uma mulher perder a virgindade antes de casar, pode ser condenada à morte  o que me lembra de algo que li no livro “Eu matei Sherazade”, de Joumana Haddad, que discute a situação da mulher árabe nos dias de hoje, sobre uma garota ter sido assassinada pelo próprio irmão depois de ter perdido a virgindade sendo estuprada pelo outro irmão.

Isso me faz perguntar: por que, na maioria das vezes, só as mulheres têm que “escolher esperar”? O fato é que praticamente ninguém se preocupa em fazer censuras à vida sexual dos homens. Enquanto as mulheres, que já viveram tão oprimidas durante tanto tempo na História, têm que se “guardar”, reprimir a própria libido – tão saudável –, como se fossem santas – e não um ser humano –, para que, assim, seu homem possa ter uma mulher que seja só dele, e pertença a ele.

A “virgindade” feminina é – e deve sempre ser vista como  nada mais que uma pele. Uma mulher virgem não é melhor – nem pior, claro  que uma não mais virgem.  Não acho que todas as mulheres deveriam se sentir pressionadas a transar o quanto antes, mas acho que deveriam governar seu próprio corpo de acordo com suas próprias decisões e vontades, sem que isso resulte em qualquer reprovação – uma vez que o sexo é apenas uma forma mais íntima de se relacionar com outro ser humano, seja por amor ou apenas prazer. E que, assim, o gozo feminino pare de ser algo tão proibido. 

Fonte das imagens (respectivamente): O Ser Profeta e Folha de S.Paulo.