Lembra quando você estudou o Dadaísmo no Ensino Fundamental e a professora mandou fazer aquela típica atividade de cortar
palavras em revistas e juntar aleatoriamente? “Muito louco”, deve
ter pensado, “Que sem noção”, “Como aqueles caras pensaram nisso?”. Pois é, se
você acha que os “caras” pensaram nisso (no passado), está muito
enganado: a verdade é que o Dadaísmo continua presente, e não é só na página Dadaísmo em quadrinhos, do Facebook. Não acredita? É só
observar os desenhos animados atuais.
Tá. Antes de mais nada, o que é
Dadaísmo? Em meio à Primeira Guerra Mundial, um grupo de refugiados (escritores
e artistas plásticos) criou esse movimento artístico como forma de reflexão da
revolta, violência, indignação e instabilidade da época. Eles juntaram toda a
confusão do momento e a irracionalidade daquela vida de guerras e pensaram
“What the hell? Nada mais faz sentido”. Nasceu, assim, o Dadaísmo, cujo nome
também não tem significado nenhum – alguns estudiosos dizem que remete à linguagem
das crianças (gugu dadá, acredito
eu). É válido acrescentar que o movimento foi também um contraponto à arte
tradicional e ao capitalismo e valores burgueses.
Agora, voltando aos desenhos
animados: os maiores sucessos – tanto infantis quanto adultos – têm seguido a
linha no sense, falando sobre todas
as coisas e coisa nenhuma, misturando tudo sem uma lógica aparente, mas que, por fim, dá certo. Vejamos exemplos:
South Park: o desenho norte-americano
é voltado para o público adulto e usa humor negro, ácido, satírico e, o mais
importante pra nós, fora da realidade. Primeiro, os protagonistas são crianças
que se envolvem com coisas adultas e bizarras. Segundo, existem vários
personagens secundários que simplesmente não fazem sentido, como a Toalhinha,
que é de fato uma toalha, mas age como humana e, em certo tempo ao longo das
temporadas, é viciada em drogas e chega a se prostituir, mas depois vai para
uma clínica de reabilitação, impulsionado pelos amigos (as crianças) e pelo filho, a Toalha
de Rosto. Tem também o Toletinho – personagem a quem, particularmente, não
aguento assistir por motivos de nojo – que, sim, é um cocô, acredite se
quiser. Não é apenas um cocô, tem também uma família e é um dos maiores
símbolos de espírito natalino na sitcom.
The Marvelous Misadventures of
Flapjack (no Brasil, "As Trapalhadas de Flapjack"): a história dessa produção do Cartoon Network (EUA) é a de um menino
chamado Flapjack que, junto ao Capitão Falange – autointitulado o maior pirata
que o mundo jamais teve – e a baleia chamada Bolha, vivem em um grande cais
chamado Porto Tempestade. O objetivo deles é chegarem à Ilha Açúcar, uma ilha
onde, é claro, tudo é feito de doces. Até aí, relativamente normal para um
desenho infantil, mas são nas histórias de cada episódio que a loucura toma
conta. Por exemplo: aparecem princesas do mar, do nada, e, de repente, tornam-se
o centro da trama, criando situações de um humor que beira o bizarro. Além disso,
os personagens secundários são bem dadaístas, como a Bolha, que é uma baleia
falante que age como uma mãe para o Flapjack. Seu maior sonho é voar pelo céu
como um pássaro (e ela já o realizou).
Adventure Time (no Brasil, "Hora de Aventura"):
esse é bem novinho, de 2010, e também voltado para as crianças (embora não só
elas assistam, é claro). Na minha opinião, é o ápice do Dadaísmo atual. A
própria história do desenho já revela isso: foi baseado no curta Adventure Time, parte do spin-off Random! (“Aleatório!”, em inglês) e seu
gênero está entre o pós-apocalíptico, a fantasia e o surreal. O enredo se centraliza
nas aventuras dos melhores amigos Finn, um garoto humano, e Jake, um cachorro
falante e mágico, que vivem na Terra de Ooo, salvando princesas e ajudando a todos, vivendo uma eterna hora da aventura, realmente. A Hora da Aventura é hoje um dos programas
de maior audiência infanto-juvenil, e disputa com outro desenho do mesmo canal,
Apenas um Show.
Regular Show (no Brasil, "Apenas um Show"):
sendo do ex-diretor de As Trapalhadas de
Flapjack, já pode ter uma noção do que se esperar, certo? Também de 2010,
esse desenho é bem diferente, porque, apesar de ser oficialmente voltado para o
público infantil, muitas coisas acabam sendo censuradas, tamanha a loucura. Em
certas cenas, aparecem velhos pelados correndo pela casa, esse tipo de coisa.
Os protagonistas são dois animais de 23 anos, um gaio-azul chamado Mordecai e
um guaxinim chamado Rigby. Os dois são jardineiros do parque – ao menos
teoricamente, porque a preguiça geralmente não deixa que façam nada. Como
usual, os personagens secundários são ainda mais surreais, como o Pairulito,
que é um senhor (idoso) com cabeça em formato de pirulito, mente ingênua e
infantil e que usa palavras formais dignas de um cavalheiro; e o Fantasmão, um
fantasma com uma mão na cabeça, melhor amigo do Musculoso, um anão obeso de
pele verde parecido com Frankenstein.
Enfim, todos esses desenhos parecem
uma doidera, e são, mas dá certo: em sua própria forma, cada desenho critica e
faz reflexões sobre a sociedade contemporânea e tudo o que há de mais louco e
sem sentido nela, falam sobre os sonhos impossíveis que compartilhamos e creem
na fantasia, seja no ponto de vista infantil, seja no adulto – além de, pelo menos em mim, provocarem altas crises de riso do tipo “socorro, estou sem ar”.
A minha hipótese de o movimento
ter “ressurgido” atualmente é que seria uma resposta ao cientificismo e à
necessidade de tudo ter um sentido, um significado por trás. Mais
especificamente em relação aos desenhos animados. Em uma geração na qual os
desenhos sempre têm uma lição de moral e um ensinamento de vida, urgiu a
criação de alguns sem sentido, apenas de entreter – pelo menos
superficialmente. Agora, o por quê de os criadores fazerem tais personagens da
forma escolhida, não sei lhe dizer. Apenas: dadá?
Fonte das imagens: Wikimedia Commons.
Fonte das imagens: Wikimedia Commons.
Flapjack e Hora de aventura >>>>>> Qualquer outro desenho atual.
ResponderExcluirEUASHUEHUASEUEAUSH