Outro
dia, eu estava assistindo por pura falta de opção ao Balanço Geral do
Pará, na Record, e, bem, acho que já é um consenso que a qualidade jornalística
do programa é lamentável, porém, ele conseguiu me surpreender quando tratou de
orientação sexual nas escolas em uma de suas matérias.
Na
dita matéria, que foi sobre uma escola, em Minas Gerais, a qual virou caso de
polícia por tratar do assunto com crianças em torno de 10 anos de idade, o
pseudo-jornalista, que, infelizmente, é um formador de opinião,
utilizou-se de toda a sua artimanha para reforçar a ideia de que ensinar crianças
e jovens sobre sexualidade nas escolas é um absurdo.
Esse
excepcional jornalista usou argumentos como "essas crianças não estão
preparadas para isso", "são perguntas que nem eu mesmo [como se ele fosse algum
ponto de referência] teria coragem de perguntar à minha mãe" e outros como
esses, sem embasamento algum para questionar a validade de perguntas como "o que é sexo anal?", "fazer sexo dói?", "homem pode engravidar?" etc. Além desses belos argumentos, o programa ainda
fez questão de entrevistar os pais das "pobres vítimas", o que, é claro,
contribuiu com mais apoio à ideia de que isso é um absurdo, e esses pais ainda
afirmaram, indignados, que a escola não tinha o direito de tal feito, pois isso
faria com que toda a criação que eles deram aos seus filhos fosse estragada.
Porém,
em defesa da escola, deve-se levar em conta que a ideia de abordar o tema sexualidade em sala de aula foi dos alunos, não do professor, e ainda que cada aluno deveria escrever uma pergunta em um
papel, sem necessidade de se identificar, e colocar em uma urna. O que só me
leva a constatar que, na verdade, a maioria dos pais que se indignaram, se não
todos eles, são exatamente os mesmos que não cumprem com os seus papéis de
abordar o assunto em casa, o que facilitaria, assim, o papel da escola. Afinal, é óbvio que as crianças têm dúvidas que precisam ser respondidas. E
como não teriam se, a todo o momento, a TV veicula propagandas, novelas e filmes recheados de erotização? Ao assistirem a tudo isso na TV, elas não
conseguem compreender inteiramente o que essas mensagens significam e,
consequentemente, muitas vezes criam conceitos e explicações erradas sobre
sexualidade.
Por
isso mesmo, a escola tem o papel de informar e explicar para essas crianças
todos os tabus, preconceitos e atitudes da forma mais isenta possível, ou seja,
com um maior distanciamento pessoal. Para tal, é necessário que se estabeleça
uma relação de confiança entre aluno e professor, de forma que o professor
consiga responder a todos os questionamentos de forma direta, com informações corretas
do ponto de vista científico. Dessa forma, completamente diferente da orientação
que tem sido dada em casa, a escola apresenta papel fundamental para evitar
gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, abuso infantil etc.
Porém,
essa orientação sexual dada na escola não significa apenas incluir aulas sobre anatomia e fisiologia dos aparelhos reprodutivos humanos, por exemplo.
Deve-se levar em conta a sexualidade nas dimensões biológica, psíquica e sociocultural. A questão deve ser abordada a partir dos diversos pontos de vista, valores e crenças existentes na
sociedade para que, assim, os alunos consigam encontrar os valores que eles próprios queiram
eleger como seus.
Outra
questão que, para mim, é uma das mais complexas de se tratar, é a questão da idade
ideal. Qual seria a idade ideal, então, para começar a tratar sobre o assunto? Em
resposta a isso, na Holanda, eles começam a orientar os seus alunos a partir dos 5 anos de
idade, fazendo com que os índices de gravidez precoce, contração de doenças venéreas e abuso
infantil se tornassem baixíssimos. Em contraposição à Inglaterra, na qual os alunos só
recebem orientações sexuais a partir dos 16 anos e, por consequência,
apresentam o maior índice de gravidez na adolescência (foram mais de 43 mil
casos numa população de 63 milhões de habitantes, em dados de 2007). E, no Brasil, pela nova lei, os alunos vão receber informações apenas a partir dos 7 ou 11 anos de idade, dependendo da região.
Por
fim, na minha opinião, que não é necessariamente a opinião correta, os
holandeses estão certos, mostrando que o tratamento da sexualidade nas séries
iniciais visa apenas permitir ao aluno encontrar na escola um ambiente propício
para que ele possa desenvolver e exercer a sua sexualidade com responsabilidade
- e não pervertê-los, como muitos acham -, promovendo o respeito a si próprio e
aos outros e garantindo-lhe direitos básicos como saúde e informação.
Fonte da imagem: Science Leadership.
Fonte da imagem: Science Leadership.
Assisti ao programa uma única vez na qual o apresentador teve a indecência de falar "somos todos iguais, tem muito negro de alma branca por aí" e "os gays simplesmente não tiveram a sorte de nascer como nós". É inquietante saber que é um programa formador de opinião.
ResponderExcluirQuanto ao texto, excelente, Jo.
Compartilho da sua visão. As crianças são seres sexualizados, e isso é tabu na nossa sociedade. Os estudiosos do desenvolvimento infantil, que tem BASE pra falar sobre, relatam que a sensualidade (diferente da adulta) e a curiosidade sobre o genital masculino e feminino aparecem logo cedo. É importante saciar essas perguntas com conversas em casa e na escola. Reprimir é sempre a pior escolha
Realmente, eu não sei como um apresentador desse nível consegue ainda exercer o seu papel. E é mais triste ainda mesmo saber que tem muita gente que concorda com esse tipo de comentário.
ResponderExcluirMuito obrigada, Helder (um comentário! yay!). Com certeza, reprimir só causa o efeito contrário. Eu mesma posso dizer que sinto falta de ter tido esse tipo de orientação. Tem muitas coisas que eu não sei, pois nunca me informaram, e, devido a isso, eu, só quando me dou conta de que eu não sei nada sobre o assunto, me sinto obrigada a recorrer à internet.
Gostaria que os pais se dessem conta da importância disso. Só.