Em um país no qual pelo menos 70% das conversas entre pessoas são voltadas a este assunto banal chamado "novela"*, não é de se estranhar quando se percebe uma transgressão dessa ficção para o mundo real, ou seja, quando vemos que alguns tentam transformar a vida numa novela, fazendo de outras pessoas personagens que desempenham papéis específicos e comuns desse gênero televisivo: o vilão e o herói, por exemplo. É o que está acontecendo atualmente com o caso Mensalão – e a Imprensa, é claro, não poderia perder essa oportunidade para "colocar lenha na fogueira".
É sempre aquela história de superação do mocinho coitadinho que ascende socialmente e vira um herói, enquanto tem um vilão à espreita tentando impedi-lo de ter sucesso e tornar o mundo um lugar pior para viver. Pois é, eu disse "aquela história", com "h" minúsculo e não "aquela História", com "H" maiúsculo. Ou seja, é coisa de ficção. Vamos ser sinceros: a vida não é tão fácil de se analisar assim. Não mesmo. Mas é assim que muita gente está achando que é, a ponto de forçar a barra e começar a ficar preocupante.
O "grande caso do ano", "maior julgamento político de todos os tempos", e outras hipérboles que muitos estão utilizando para caracterizar o caso que atualmente está sendo julgado na capital do país, o Mensalão, trouxe à tona um dos maiores motivos de reclamação do povo brasileiro: a corrupção. Sim, trouxe à tona, mas não o quanto a grande mídia deste país queria. Foi, então, necessário se valer de um plano B: a forçação de barra. E nada melhor para ter êxito neste segundo plano que apelar para o emocional da população. Foi aí que começou essa abstração do real que se percebe e agora. Foi então que escolheram Joaquim Barbosa, relator do Mensalão, como o alvo da vez, a isca para atrair o público para o caso que acusaria políticos do partido que a essa grande mídia mais odeia - o PT ("finalmente", eles disseram) -, mas que a maioria das pessoas nem estava se importando muito.
Com um esquema de marketing e um plano de publicidade surpreendente para o qual bato palmas em pé, essa grande Imprensa resolveu dar o golpe de Cinderela, transformando o comum em encantado, tornando o ministro Barbosa em herói Barbosa. Ele seria, portanto, aquele que iria salvar a política nacional do monstro chamado corrupção (um possível apelo para a ideia religiosa de salvação cristã tão conhecida no Brasil?). Não demorou para que o plano desse resultado: rapidamente, começaram as disseminações da "fantasia" na internet e no bate papo casual da população. São inúmeras as fotos e montagens vistas por qualquer um que utilize a rede social Facebook, por exemplo, tratando Joaquim Barbosa como herói nacional, relacionando-o, inclusive, ao super-herói dos quadrinhos Batman (cujo filme foi um dos maiores sucessos de bilheteria há poucos meses – outra coincidência, ou não).
E, para todo herói, há de ter um vilão. É neste momento que o outro ministro, o Ricardo Lewandowski, revisor do caso, entra na história. E a novela está pronta para começar. O tempo que deveria estar sendo usado para avaliar claramente a situação o público está gastando para avaliar o comportamento dos dois personagens-chave da trama criada pela Imprensa "será que eles vão se enfrentar hoje? Será que vão concordar". É uma lástima tanto tempo e sinapses perdidos.
E, para todo herói, há de ter um vilão. É neste momento que o outro ministro, o Ricardo Lewandowski, revisor do caso, entra na história. E a novela está pronta para começar. O tempo que deveria estar sendo usado para avaliar claramente a situação o público está gastando para avaliar o comportamento dos dois personagens-chave da trama criada pela Imprensa "será que eles vão se enfrentar hoje? Será que vão concordar". É uma lástima tanto tempo e sinapses perdidos.
Deixo aqui claro que pouco me importa quem vai ganhar essa batalha primeiramente imposta pela mídia e agora desempenhada pelos protagonistas e torcida pelo povo. Pouco me importa quais dos "times" vai ganhar e acho que tanto um quanto um outro mereceu chegar até ao cargo que chegou, quaisquer que sejam suas trajetórias. Se estão onde estão, é porque batalharam para chegar lá. Mas o que haver de ser decidido ao fim do julgamento não depende exclusivamente dos dois ministros e tampouco do público. Além do que, indiferentemente dos resultados, o Brasil não vai simplesmente mudar de uma hora para outra, nem será uma revolução histórica. Não será, aceite. O que me preocupa é essa manipulação evidente da Imprensa sobre suas marionetes, primordialmente cidadãos. Preocupa-me essa divisão de águas e a submissão de fatos realmente relevantes, preocupa-me o andamento dessa torcida.
Não se pode pensar, no entanto, que o que estamos presenciando é algo novo ou devido, restritamente, ao incentivo competitivo da mídia e à fácil propagação proporcionada pela internet. A construção de heróis é um fenômeno visto muitas vezes e muito antes. Foi o que houve, por exemplo, na Proclamação da República com a construção do “herói” Tiradentes e, o pior, foi o que houve no Nazismo, com a construção do "salvador" Hitler. Mas a população, uma hora, acorda desse hipnotismo.
O caso-novela Mensalão é um reflexo de uma Imprensa centralizada em uma Rede que faz de tudo para que seus telespectadores não percam um episódio sequer da novela, que, de 5 notícias transmitidas em seus jornais, 2 são das próprias novelas, 1 do elenco da novela, 1 argumentando o quanto nosso país é, teoricamente, ruim e 1 mostrando como o mundo afora dele é bem melhor*. Mídia essa que cria todo um carnaval para garantir o "direito de elite" ameaçado pela ascensão social que muitos vêm ganhando na última década e, por isso, voltam a falar de novela, para desviar a atenção do público às notícias positivas do país, fazendo, assim, uma "política do pão-e-circo" às avessas. E, no mais das vezes, vence – pelo cansaço.
Brasileiros e brasileiras começam a sofrer de uma Síndrome de Dom Quixote coletiva, acreditando que, no mundo real, existem heróis e vilões. Só espero que não comecem a sair com espadas e declarem guerra por seus ídolos, agindo como os verdadeiros vassalos da Imprensa que estão sendo.
É o que acontece quando um povo lê apenas 4 livros, em média, por ano, mas acompanha 6 novelas simultaneamente, em apenas uma parte do ano. Um povo que já sabe o que vai acontecer no próximo episódio do programa, mas desconhece sua própria realidade e, por isso, vive através de fantasias ideológicas.
* Dados fictícios, baseados apenas no que acho, pelo que vejo.
Fontes das imagens (respectivamente): Blog Ornamental, Blog Elba Galindo e Comendo Livros.
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