Sou acadêmico de engenharia de produção, curso no
qual são ensinados meios de otimizar a produção de
qualquer empresa (ou seja, produzir mais com menos), e por empresa entenda qualquer tipo de negócio, de uma
multinacional ao mercadinho da esquina, para assim obter-se mais lucro, é
claro. Como um professor meu já disse em sala de aula, esse é,
provavelmente, o curso mais capitalista que existe. Até ai, tudo bem, eu acho.
Mesmo entre aulas mal assistidas,
respostas copiadas e seminários improvisados, posso afirmar que aprendi muitas
coisas sobre o mundo ao meu redor e como ele funciona movido pelo capitalismo.
Por exemplo, ao entrar em uma loja, presto atenção na organização e no preço
dos produtos, na abordagem feita pelos funcionários etc, comerciais também me
levam a refletir “será que todo dentista é bonito e branco?” ou “eu nunca vi
garçonetes desse jeito!”, entre outras coisas.
Pois bem, ao aprender mais sobre o tão famigerado “sistema”, ou você se identifica com ele e decide que obter lucro é a única coisa que importa, em qualquer aspecto, ou se deprime/revolta com o que está implícito no mesmo. Afinal, ninguém gosta de ser roubado, mas também dificilmente vai deixar de dar um brinquedo para o filho para ajudar uma criança pobre desconhecida a se manter, pelo menos, nutrida. Mas calma, eu não estou aqui querendo dar uma de radical e dizer que você deve vender tudo o que tem e ajudar os pobres, se eu conseguir fazer com que ao menos um mendigo na rua seja notado como um ser humano e não um bicho, como no poema do Manuel Bandeira, já me basta. Eis o poema, para os que, infelizmente, não o conhecem:
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma
coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um
cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus,
era um homem.
Vou com certa frequência a
supermercados e uma das situações que mais me impressionam, e parece impressionar
só a mim, é como as pessoas responsáveis por pesar e etiquetar alguns produtos agem e são tratadas como máquinas, não há nada de humano ali, nem uma troca de
olhares, nenhum diálogo, exceto, às vezes, um “obrigado” pré-programado. Cenas
como essa fazem eu me lembrar de "Tempos Modernos", aquela obra-prima de Charlie
Chaplin, na qual crítica social e humor caminham juntos de forma impecável.
Não me iludo ao ponto de achar que algum dia a sociedade vai se dar conta da "sinuca de bico" em que se meteu e mudar completamente seu comportamento, mas tenho a convicção de que o sistema comunista proposto por Karl Marx seria, no mínimo, mais justo que o capitalista no qual vivemos, também estou convicto de que poucos seriam capazes de se desfazer de suas mordomias por um "bem maior". No entanto, outra questão importante é que o capitalismo, querendo ou não, faz a sociedade "evoluir", ou você acha que as industrias farmacêuticas fabricam remédio porque gostam de curar as pessoas? Mas também, o mundo precisa que pessoas morram, ou a vida se torna insustentável. Enfim, não sou capaz, e nem acredito que haja alguém que seja, de determinar o certo e o errado, porém um mundo menos desigual não seria uma má ideia, disso eu sei.
Costumo terminar os textos com indicações e desta vez não será diferente, segue a primeira parte do documentário que dará mais sentido a minhas palavrase que fez eu gostar
ainda menos do meu curso:
Costumo terminar os textos com indicações e desta vez não será diferente, segue a primeira parte do documentário que dará mais sentido a minhas palavras
Fonte da imagem: El Heraldo de Xalapa.
Só não concordo com isso: "No entanto, outra questão importante é que o capitalismo, querendo ou não, faz a sociedade 'evoluir', ou você acha que as industrias farmacêuticas fabricam remédio porque gostam de curar as pessoas?" Não quero me estender muito, mas, aqui, é como se tu estivesse dizendo que não há outra maneira de funcionamento da economia, mesmo sendo uma afirmação contraditória em relação ao resto do texto. Não quero simplificar a questão, que é muito complicada e envolve muitos obstáculos, mas, pensando a partir do que tu mesmo acredita que seja "mais justo", no caso, o socialismo marxista, o ponto de partida para reverter essa lógica perversa seria o controle do Estado pelos trabalhadores, o que, com mobilização permanente do proletariado, poderia estabelecer novas diretrizes a essas trocas comerciais mais essenciais. Claro que estamos falando essencialmente em termos teóricos, com pequenas "demonstrações" históricas, mas é importante ressaltar essas outras possibilidades para que não concebamos a construção social que são as relações capitalistas como naturais das sociedades humanas.
ResponderExcluirGostei do texto e da preocupação em fazer ventar a poesia social, tão bem trabalhada pelo Bandeira :)