Parece-me que está havendo uma grande confusão na comédia brasileira contemporânea. Ao invés de se usar o humor como ferramenta de expressão dos oprimidos, a comédia tem servido como instrumento dos próprios opressores para autorreferência, vangloriar-se e, às vezes, até autopiedade. Em outras palavras: ao invés de vermos personagens pobres satirizando a elite ou a elite rindo de si mesma, o que temos visto é a elite rindo dos pobres, não em forma de humor inteligente e reflexivo, mas com um humor simplesmente... babaca.
Não me entenda mal, não é que só possa se falar de ricos ou só possa se falar de pobres. Não, não é isso. O que eu quero dizer é que, tanto para falar de um quanto do outro, é preciso usar um humor inteligente, que traga consigo uma reflexão a respeito da sociedade. É possível? Sim, sem dúvidas, e Charlie Chaplin é o maior exemplo disso. Chaplin sabia como falar tanto do repressor quanto do reprimido. Ator, diretor, produtor, humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico britânico, Chaplin foi um dos atores mais famosos da era do cinema mudo e encarnou um opressor totalitário (obviamente fazendo referência a Hitler) de forma tão espetacular que marcou para sempre a História do Cinema com o filme O grande ditador. Para isso, ele mostrou que conhecia bem a sociedade em que vivia e que tinha coragem o suficiente para usar o instrumento que tinha em mãos – a comédia – para satirizar o ditador alemão e, assim, promover uma reflexão geral sobre a situação.
Mas a comédia inteligente não
parou na primeira metade do século XX e Chico Anysio - humorista, ator,
comentarista, compositor, diretor, escritor, pintor, radialista e roteirista
brasileiro - provou isso. Assim como Chaplin, Chico Anysio também sabia falar do
pobre e do rico. Dentre as dezenas de personagens criados por ele, dois podem
exemplificar esses dois lados. Do lado do repressor, do rico, temos o Justo Veríssimo, um político corrupto que odeia pobre com todas as suas forças. Seus
bordões, inclusive, eram "Tenho horror a pobre!" e "Quero que pobre se exploda!". Com Justo Veríssimo, a carapuça
servia para não apenas diversos políticos quanto aos pensamentos – nem sempre
externalizados – de muitos ricos por aí. Enquanto isso, Olindo Holanda,
outro personagem, é um costureiro pobre que gasta todo seu dinheiro em
fantasias de Carnaval. Com ele, Chico Anysio destacava esse lado vibrante do
brasileiro que não se deixa abalar pelo financeiro.
Esse mesmo estilo de “pobre, mas
feliz” tem sido usado, também de forma inteligente, pelo ator e humorista
brasileiro Paulo Gustavo, através da personagem Ivonete (também conhecida como
Nete), uma empregada doméstica carioca que extravasa todos seus problemas
sambando. No mesmo programa em que ela aparece, o 220 Volts, do Multishow, Paulo Gustavo também personifica a Senhora
dos Absurdos, uma mulher riquíssima e completamente incorreta politicamente.
Ela odeia pobre, gay, gente feia, gente gorda, enfim, todos que não são
héteros, bonitos, brancos e ricos. Mais uma vez, podemos perceber as influências
de Chico Anysio no trabalho desse humorista. A Senhora dos Absurdos não diz que
“quer que pobre se explode”, mas deixa implícito, assim como muita gente da
elite brasileira.
Contudo, infelizmente, o cenário
da comédia nacional hoje em dia está infestado de pessoas pseudoengraçadas se
fazendo por humoristas. Um deles é o Rafinha Bastos, um pseudopolitizado,
pseudopolêmico que na verdade só tira proveito de polêmicas já construídas. A gente nunca sabe realmente o que ele
pensa das coisas, porque sua intenção não é se posicionar, mas chamar atenção.
A minha teoria é de que ele tenha sérios problemas de incapacidade de superar
alguma carência de infância, daí a necessidade de “aparecer”.
Mas o Rafinha Bastos é um gênio da comédia se for comparado ao Danilo Gentili. Ele é um típico
paulistano de classe média que só consegue enxergar seu próprio nariz e finge
que, se não é com ele, não importa. Gentili parece que uma criança que ri
quando alguém fala algo tipo “pum” ou “pênis”, e, por isso, espera que o
público ria disso também – e o pior é que muitos ainda riem. Por isso, suas
piadas são sempre seguindo umas dessas 3 linhas de pensamento: 1. Coisas
supostamente engraçadas tipo pum, cocô, pênis e peito; 2. Sua mãe e o quanto a “velha”
é ridícula; 3. Problemas de primeiro mundo (coisas do tipo “nossa, os aviões
estão muito lotados hoje em dia”, “ai, como o iPad trava” ou “Cadê meu toddynho
com minha coxinha?”). O preocupante é que tanto Bastos quanto Gentili tem
diversos seguidores, o que me leva a crer que muita gente tá precisando
amadurecer.
Está na hora de muitos comediantes
brasileiros, como esses últimos dois, crescerem e perceberem que é preciso estudar,
também, para ser comediante. Aprender que fazer stand-up não é apenas contar
causos de suas vidas, tirar sarro da mãe ou se fazer de coitadinho, como se
fosse um blog de piadas de mau gosto ou uma conversa medíocre entre colegas.
Stand-up é uma maneira inteligente de refletir sobre a sociedade, a partir,
sim, de causos das próprias vidas, mas não se prende nisso, como faz uma
crônica, por exemplo.
Para finalizar, quero esclarecer
que a falta de inteligência no humor não é exclusiva de temas do tipo ricos x
pobres. Não vou nem entrar em outros assuntos para não me prolongar mais ainda,
então apenas deixo aqui dois vídeos: um do show Never Scared (2004) de Chris Rock – comediante, ator, roteirista e
cineasta norteamericano, vencedor de 4 Prêmios Emmy – e outro do Fábio Lins no
programa Comedy Central Apresenta,
apresentado por Danilo Gentili. Tanto um quanto o outro fala de um assunto bem
banal e comum em stand-ups: relacionamentos. Percebam as diferenças entre um e
outro e tirem suas próprias conclusões.
Chris Rock
Fonte das imagens (respectivamente): Uol e Doctor Macro.
Muito bom...
ResponderExcluirProcura-se inteligencia em você querida.
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