"Os loucos somos nós"

"A dor só vira palavra escrita depois de respirar dentro de cada um como pesadelo."

Escrita por Eliane Brum no prefácio de "Holocausto Brasileiro", essa é uma das frases que melhor representa o significado do livro de Daniela Arbex, publicado recentemente pela Geração Editorial. Na luta contra o tratamento manicomial, o livro desta jornalista mineira pode emergir como importante instrumento de sensibilização para a causa, a qual discute a ineficácia, o desrespeito e a desumanidade com que são tratadas as pessoas diagnosticadas com doença mental no Brasil.

Para Eliane Brum, o termo "holocausto", assim como "inferno", não é um exagero para caracterizar as atrocidades que foram cometidas no hospício Colônia, instalado em Barbacena, distante cerca de 170 quilômetros de Belo Horizonte. Neste local, que muito se assemelha a outros “infernos” brasileiros existentes ainda hoje, mais de 60 mil pessoas morreram sob péssimas condições de higiene e sociabilidade. Centenas desses corpos foram comercializadas, vendidos para faculdades de medicina sem nenhum constrangimento por parte dos envolvidos nesse negócio.

Além de submeterem seres humanos a condições incompatíveis com a vida, os administradores públicos e políticos responsáveis pelo Colônia lucravam com aquelas mortes, sendo tudo visto com naturalidade, ou ignorado, por grande parte da população mineira e brasileira. Afinal, aquelas pessoas eram todas "loucas", "doidas" e "perturbadas", embora seja estimado que apenas 30% apresentavam algum transtorno mental – os outros eram homossexuais, alcoolistas, mulheres grávidas que precisavam ser "caladas" pelos que as estupravam, mendigos, "entre outros dissidentes sociais".

Infelizmente, o poder público apenas reproduzia os preconceitos da sociedade brasileira; aliás, como geralmente acontece – por isso as lutas sociais devem ser empreendidas nos espaços institucionais da política, mas também como forma de intervenção cultural.

Ao entrarem compulsoriamente no Colônia, como ficou conhecido o maior hospício brasileiro do século XX, homens e mulheres eram despidos e, na maioria dos casos, assim permaneciam enquanto estivessem encarcerados nesse "campo de concentração" (palavra utilizada pela própria Daniela Arbex para ressaltar a semelhança aos campos nazistas). Arbex ainda salienta: mulheres que nunca haviam se exposto tiveram que ficar nuas, despidas aos olhos de vários olhos masculinos; mulheres que, assim como os homens, se viram obrigadas a beber água diretamente dos esgotos que atravessavam o Colônia; mulheres que, assim como os homens, dormiam sobre capim porque não havia leitos para todos num hospício que fora projetado para lotação máxima de duzentas pessoas, mas que chegou a  abrigar cerca de cinco mil.

Sobre o "holocausto brasileiro" ocorrido em Barbacena, que não pode ser visto como um caso isolado, outros profissionais realizaram trabalhos muito importantes no combate político aos hospícios estabelecidos como o Colônia. Luiz Felipe, por exemplo, autor das fotografias que ilustram este texto, assim como o livro de Arbex, deu sua enorme contribuição para a preservação dessa memória por meio de seu fotojornalismo engajado. Outro foi Helvécio Ratton, cineasta que idealizou e dirigiu, em 1979, o documentário "Em nome da razão", que critica o Colônia pela forma com que seus pacientes eram tratados, aos quais eram negadas a cultura e mesmo a natureza humana.

Para informar-se um pouco mais sobre o ocorrido no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, assista a uma reportagem, veiculada recentemente na TV Record, que tenta resgatar um dos capítulos mais macabros do país, dirigida pelo jornalista Luiz Gustavo, com participação especial da jornalista e autora do livro-reportagem "Holocausto Brasileiro", Daniela Arbex.



Fonte da imagem: Tribuna de Minas.

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