A Terceira Onda

Ao ler, estudar, ouvir e/ou refletir sobre algo relacionado aos regimes fascistas que um dia assolaram o mundo, sem dúvida você irá questionar como cidadãos comuns puderam se submeter a um líder ao ponto de aceitar o massacre de outros povos supostamente inferiores, subjugá-los pelo “crime” de serem diferentes e ainda assim, após o término de tal regime – provavelmente pela derrubada de seu líder – afirmar que nada sabiam sobre as atrocidades cometidas, apesar de terem feito parte do acontecido, apoiando o governo totalitário sob o qual viviam. Vale ressaltar que o governo totalitário diferencia-se do autoritário pelo fato de que o primeiro impõe suas vontades e convence o povo de que são boas e/ou necessárias, ao passo que o segundo apenas as impõe.

Feitas essas reflexões, poderá pensar ainda que esse tipo de Estado, dificilmente seria possível nos dias de hoje, dado o contexto no qual vivemos. Entretanto, um experimento feito pelo professor Ron Jones, nos Estados Unidos, em 1967, prova que não é bem assim. Enquanto ministrava aulas sobre a Alemanha nazista, questionamentos como os citados acima surgiram entre seus alunos e, pelo desconhecimento da resposta e tempo disponível, o professor decidiu explorar um pouco mais o tema através de uma simulação de um governo autoritário: surge então a Terceira Onda.

Instituído um líder, obviamente Ron Jones, o grupo passou a estabelecer conceitos sobre disciplina, controle, submissão e a colocá-los em prática. Surpreso pela rapidez com que os estudantes assimilaram as suas ordens quanto a manter a postura ereta – após um breve exercício no qual mostrou a melhora que isso lhes proporcionava até mesmo na respiração –, resolveu testar até onde essa obediência iria. Instaurou regras quanto à maneira de se dirigir a ele, às formas de comportamento permitidas e com isso notou uma melhora significativa na participação e desempenho da turma como um todo. A partir daí, com a criação de um símbolo e saudação específicos, estabelecimento de uma ideologia sob o domínio de um líder, uma simulação com fins educativos saiu dos trilhos e tornou-se um movimento real do qual mais de mil alunos participaram.

O professor Ron Jones
Obedecendo constantemente às ordens de Mr. Jones, como eram obrigados a chamá-lo, divulgaram o movimento e excluíram socialmente todos aqueles que não queriam fazer parte dele, o sentimento de pertencimento a algo faziam com que se sentissem melhores e mais importantes do que os que estavam de fora. Para alguns, a Terceira Onda tornou-se o centro de suas vidas. Sem perceberem, tornaram-se verdadeiros neonazistas que teriam se adequado perfeitamente caso vivessem na Alemanha comandada por Hitler, por exemplo.

Sem dúvida, inúmeras vezes o professor se perguntou quanto às motivações e consequências de um movimento que tomou tamanha proporção. Por vezes se descobria agindo como um ditador de forma intuitiva – o que conta em seus próprios relatos sobre o caso – e isso o preocupava. Chegando ao fim da semana que inicialmente resolvera destinar à experiência, começou a se preparar para por fim à Terceira Onda que tinha modificado tantas vidas. Organizou então uma espécie de palestra para todos que participavam do movimento, noticiando uma reunião para a criação do Programa de Juventude Nacional da Terceira Onda, para a qual até a imprensa foi convidada, entretanto o rumo foi diferente do esperado: Ron Jones mostrou o quanto haviam abdicado de sua liberdade pela harmonia do todo e como haviam se transformado completamente o seu comportamento em função de uma ideologia, neofascistas de fato. Assim como aconteceu com os alemães que viveram na época do Holocausto, após o ocorrido, ninguém conseguia admitir que havia feito parte da Terceira Onda, no qual mostraram que um regime fascista é fácil e perfeitamente capaz de ser instituído em qualquer lugar, mesmo em tempos modernos, como a História nos provou a partir de vários exemplo: o franquismo espanhol, o salazarismo português, o fascismo italiano, entre outros.

É claro que – a exemplo da Alemanha que estava arrasada e humilhada após a derrota na Primeira Guerra Mundial, com a assinatura do Tratado de Versalhes que deixou os alemães em uma profunda miséria, o que contribuiu expressivamente para a instalação de um regime fascista de tais proporções – o simples estabelecimento de uma ideologia não domina uma nação inteira, mas em contextos e condições favoráveis o desfecho pode ser trágico e irreversível.

Com base na experiência de Ron Jones, em 2008 foi lançado o filme alemão A onda, dirigido por Dennis Gansel. Porém, apresentando, com consequências mais radicais e desastrosas, o que teria acontecido caso a experiência acontecesse atualmente. É um filme interessante que mostra vários aspectos do ser humano, sua vulnerabilidade e aceitação em função de uma ideologia chegando a níveis extremos, talvez movidos por um instinto desconhecido e/ou oculto da raça humana.

Hoje, 7 de maio, completam-se 68 anos que a Alemanha nazista se rendeu aos Aliados na Segunda Guerra Mundial, levando, felizmente, à desnazificação da mesma. Sendo assim, é importante lembrar as consequências terríveis causadas pelos regimes totalitários que se instalaram pelo mundo, principalmente no período entre guerras. Notando a facilidade com que a Terceira Onda mobilizou vários grupos sociais nos Estados Unidos e tendo conhecimento de que existem grupos neonazistas em potencial pelo mundo afora, não muito distantes da nossa realidade, esse é um tema que não deve ser ignorado e nem considerado apenas na perspectiva dos "vencedores" e "perdedores", e sim analisado como algo que afeta a todos e que pode estar mais presente do que imaginamos.

Fonte das imagens (respectivamente): Café História e Wikipédia.

1 comments:

  1. Confesso que fiquei surpresa ao terminar de ler e descobrir que foi uma menina de 16 anos.Gostei muito e parabéns!

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