A primeira visão do "descobrimento"



O descobrimento do Brasil ainda é um assunto muito confuso e complexo, possivelmente por só termos acesso a diferentes abordagens, que não sejam demasiadamente eurocêntricas, quando ingressamos na faculdade. Isso, é claro, se optarmos por cursar História. Afinal, quem aqui nunca teve que decorar o nome do "descobridor" do Brasil, mas, em contrapartida, nunca ouviu falar que a etnia encontrada por ele quando chegou em nossa terra foi a Tupi (mas índio não é tudo igual?)? Pois é, muitos de vocês, principalmente se forem um pouco mais velhos, tiveram a mesma infelicidade que eu.

Mas essa questão de idade é relativa, pois, ainda hoje, mesmo que tenham ocorrido pequenos avanços (aos quais não vou me prender por não ser o meu objetivo discutir o ensino de História) ainda é ensinado uma única versão desse descobrimento. Justamente por isso, resolvi escrever este texto, porque, honestamente, uma das piores sensações que já tive foi aquela quando vi, na faculdade, que as coisas não tinham sido como eu imaginava e que os professores simplesmente não fizeram questão de me mostrar. Afinal, o trabalho do historiador não consiste, como o de qualquer outro cientista, em compartilhar o conhecimento?

Primeiramente, é importante ressaltar que o próprio termo "descobrimento" é equivocado, já que, além das dúvidas que envolvem o fato de ter sido Pedro Álvares Cabral ou não o primeiro europeu a avistar o Brasil, esse continente já era habitado por outras pessoas, o que implica que ele não foi descoberto pelos portugueses, sendo esse termo usado por pura tradição eurocêntrica. Assim, o termo mais adequado seria algo como "conquista do Brasil", por exemplo. 

Pois bem, dito isso, quero começar com a visão, a primeira, que os portugueses tiveram quando desembarcaram em terra brasileira em abril de 1500 -intencionalmente ou não- quando estavam a caminho das Índias. Nesse desembarque, Pero Vaz de Caminha chega ao Brasil com uma das funções mais importantes das novas descobertas a mando do rei de Portugal: relatar fidedignamente todo o processo de “achamento” do Brasil, mesmo que inicialmente tenha embarcado com uma função diferente: a de servir como escrivão da feitoria que os portugueses pretendiam montar na Índia.

Ao relatar suas impressões e reflexões sobre a “terra nova” em sua famosa carta que a gente só lê porque pode cair no vestibular enviada ao rei,  todas as suas particularidades, ele nos revela também uma nova maneira de encarar esses acontecimentos. A começar, Portugal encontrava-se endividada, a Europa como um todo não possuía mais ouro, sendo necessário, portanto, ir em busca desse e de outros metais preciosos. Assim, o rei de Portugal enviou expedições rumo às Índias, com uma parada no Brasil, para averiguar que proveitos e que espécies de riquezas eles poderiam conseguir nessas terras “desconhecidas”.

Quando eles avistaram essa terra, portanto, esses navegadores pensaram ter atingido o verdadeiro paraíso terreal. Assim, já que haviam encontrado o Éden, trataram logo de agir como verdadeiros Adãos, conferindo nome a tudo que encontravam, como se tal coisa já não houvesse sido feita pelo os que ali moravam, e tomando, consequentemente, posse delas. 


No entanto, esses portugueses também encontraram no Brasil, ao contrário do que eles esperavam, um lugar e um povo completamente diferente daqueles que já conheciam (africanos e orientais) e, devido a esse fato, viram-se em uma realidade de difícil compreensão. Assim sendo, eles se puseram logo a caracterizar esse povo de uma forma que eles aparentassem ser melhores e mais humanos que os já conhecidos e desprezíveis africanos, já que esses possuíam pele mais clara (parda), narizes mais finos e rostos mais bonitos que estes.

Além disso, e talvez o fator crucial da questão, esses índios tinham, diferente dos africanos, um enorme potencial de salvação e humanização, pois esses, embora não compartilhassem dos mesmos costumes dos portugueses, não eram cristãos pelo simples fato de não terem sido apresentados a Deus, sendo despossuídos de uma religião, estando, portanto, à espera da salvação e catequização dos portugueses.

Outro fator que contribui para esse potencial é o fato de esses índios possuírem uma inocência tão grande que chega à pureza, fato que faz com que os portugueses até os comparem com Adão. Em outras palavras, por exemplo, quando as mulheres de Guiné ficavam nuas e não escondiam suas vergonhas, era visto como algo bestial, no entanto, quando as índias mostravam suas vergonhas, era não mais que um exemplo de sua inocência, de sua não consciência da nudez.

O novo mundo, enfim, passou a ser visto como um grande laboratório ideológico, cujo objeto estava ao alcance dos homens que ali haviam chegado e que passou também a ser visto como um objeto de fácil manuseio e manipulação. Nesse sentido, os índios eram descritos como povos pacíficos e, mesmo sendo muitas vezes arredios, de fácil amansamento, que aceitavam tudo que lhes era dado em troca de seus arco e flechas, que ficavam cada vez mais amigáveis e até cooperavam junto com os portugueses para fins que beneficiariam somente a estes e que seria um prato cheio para que o rei enviasse clérigos para os batizar. Parecia, então, que as suas barbáries mais graves era a falta de compreensão na fala e a sua diferença de costumes.

Foi assim, então, somente a partir de 1500, que a história oficial do Brasil começou e também como a maioria dos livros didáticos, ainda hoje, começam. Tudo o que aconteceu antes pouco importa, não passa de uma era de barbárie. Mas isso é o que eu pretendo comentar no texto que segue este. Aqui, quero apenas deixar claro que os portugueses não chegaram matando e escravizando os índios logo de cara, até porque seria meio ilógico, já que eles queriam adentrar o território. Para isso, nada melhor do que "amansar" esses índios ao invés de travar guerra. 

Além disso, eles eram bem úteis aos portugueses quando se tratava de escambo, proteção ou até mesmo quando precisavam de ajuda com os suplementos. De que forma? Bem, no primeiro meio-século os índios foram importantes parceiros comercias, pois trocavam o pau-brasil, que para eles era abundante, por foices, machados, facas ou, como disse Caminha, "tudo que lhes era dado", que era novidade.

Fonte das imagens: homorrealidade.

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