Uma garota de oito anos,
iraniana, nascida em uma família moderna e politizada, sonha em ser profetiza
quando crescer, pois assim terá poder para mudar o mundo – planos discutidos
com Deus, com quem costuma conversar –, admiradora de ícones como Che Guevara,
Fidel Castro e Trotsky, vive, em 1978, uma revolução para tirar do poder o
ditador Xá. Essa é a história narrada por Marjane Satrapi em sua incrível e
emocionante autobiografia em quadrinhos, que passa pela infância, adolescência
e a idade adulta, mostrando seu amadurecimento em relação à política e à
cultura de seu povo, fazendo referência à antiga capital do império Persa, Persépolis,
que dá o nome ao livro.
Entretanto, a tentativa
revolucionária de derrubar mais uma dominação política entre tantas já vividas
pelo povo persa desde a invasão árabe, no ano de 642 - o que levou os persas, arrasados, a adotarem o islamismo, mais uma vez acabou com o poder sendo tomado por um regime injusto e
autoritário, fato conhecido historicamente como a Revolução Islâmica, que deu
origem à República Islâmica que dura até hoje no Irã. Foram mais oito séculos
nos quais a Pérsia não existiu como uma nação independente e autônoma, mas nos
quais, impressionantemente, manteve suas tradições culturais e sua língua.
Essa carga histórica que os persas trazem nas costas manifesta-se de forma interessante na vida da pequena Marji. Ela viveu parte da infância em uma época de revolução em uma família que, felizmente, não foi dominada pela ideologia do governo e, por isso, teve contato com um mundo mais livre, acesso a inúmeros livros pelos quais interessou-se profundamente – o que foi mais importante ainda. Quando os assuntos políticos e sociais de seu povo passaram a interessá-la, seu sonho de ser profetiza foi, de certa forma, deixado de lado, vivenciando conversas “conflituosas” com Deus, comparando-o, inclusive, a Marx. Leu quantos livros pôde e queria a todo custo, apesar da pouca idade, entender e participar das manifestações, por mais arriscadas que fossem. Em 1979, a Revolução finalmente se realizou.
No ano seguinte, Marjane
é, de repente, obrigada a usar o véu; se separar de seus amigos da escola, uma
vez que esta passa a educar separadamente meninos e meninas; e se vê sob as
garras de uma ditadura mais controladora ainda, na qual qualquer manifestação
de pensamento ou ação contrários à doutrina do Islã são severamente punidos. Isso
deu a ela uma vontade ainda maior de se tornar uma grande revolucionária.
Em meio a tantos conflitos já
existentes, o livro retrata também a guerra ocorrida entre o Irã e o Iraque,
quando Teerã, capital do primeiro - onde Marji mora com seus pais - é bombardeada
pelo segundo. Para protegê-la, seus pais a enviam para a Áustria para que ela
possa ter uma vida mais segura e livre. Esse foi, sem dúvida, um momento
fundamental e decisivo para a formação da Marjane Satrapi. Com saudades
de casa e tendo que enfrentar os desafios da vida sozinha ainda na adolescência, esse foi o preço pago por ela para ter liberdade de vestir, ouvir, pensar e sonhar o
que quisesse, situação essa que nos faz questionar se a decisão tomada pelos
seus pais foi a melhor para o seu futuro e quem ela seria caso tivesse
permanecido no Irã.
Sentindo-se solitária, Marjane vive
o conflito entre a cultura ocidental e a oriental, é vítima de preconceito e
chega a se envolver com as drogas para fugir de tudo isso. Sem esconder o lado
obscuro de sua vida, os maus momentos pelos quais passou e seus relacionamentos com
alguns homens, o livro retratado em quadrinhos em preto e branco passa, na
medida certa, o sentimento dramático vivenciado pela autora com simplicidade,
sem tirar o humor das inúmeras passagens divertidas que possui. Na verdade, é impossível não se deixar cativar
por Marji logo no início da leitura e se emocionar/aprender com ela ao longo de toda a
história.
Persépolis é um livro muito rico
e cativante. Trata-se, essencialmente, de uma autobiografia, mas envolve vários fatos
históricos presentes na vida de Satrapi, o que o deixa mais interessante ainda.
É o primeiro álbum em quadrinhos iraniano e mostra a história de um povo do qual muito se ouve falar atualmente devido à ditadura islâmica que ainda existe lá, mas que pouco se sabe sobre, e de uma forma simples é possível entender como isso começou. Sem contar que, em 2007, Persépolis foi adaptado para o cinema em uma animação francesa dirigida pela própria autora e por Vicent Paronnaud. O filme segue a mesma linha do livro, mas retrata o presente em cores e as lembranças constantes em preto e branco. Estreou no festival de Cannes e recebeu uma indicação ao Oscar. Foi devido ao sucesso deste que o livro tornou-se mais conhecido mundialmente.
Portanto, confirmando o que diz a sinopse do livro, em Persépolis, percebemos o Irã em uma realidade bem mais próxima do que imaginávamos. Quebrando o estereótipo de que quadrinhos são infantis através de uma obra que não seria tão bem retratada senão pelo uso desses, é um livro fantástico que traz muitas reflexões e aprendizados.
Fonte das imagens (respectivamente): Infoescola, Sympa e Nota MoviePoster.
Fonte das imagens (respectivamente): Infoescola, Sympa e Nota MoviePoster.
muito bom. apenas: http://3.bp.blogspot.com/-t_kP4Hy988U/UDMtcsp6dhI/AAAAAAAABm8/MjhGRwN2_dQ/s1600/Pers%C3%A9polis+Marjane+Satrapi+(2).jpg
ResponderExcluirVi o filme e achei sensacional
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